O homem hodierno
julgar-se-ia menos moderno se não criticasse os antigos. Para ele, as verdades
passaram a possuir uma validade. As descobertas do passado foram ultrapassadas
pelo presente, e sofrerão reparos no futuro. Tudo é transitório. Apenas a
opinião alheia se enche de brios, pouco disposta a dialogar, ou pelo menos, a
reconhecer uma verdade exterior.
Consequentemente, muitos autores
contemporâneos, ao pretenderem apoderar-se da verdade, sentam-se em sua cátedra
embevecida de pretensões infalíveis, cujos escritos destilam os seus próprios
dogmas, muito distantes, por vezes, do mundo real. E quanto mais escandalosos,
provavelmente, mais publicitados e comentados.
As fátuas inverdades emanadas vão ao encontro
de homens ávidos de mudanças que transformem a sua existência, consequência do
vazio deixado pelo rechaço à metafísica e aos seus interlocutores. Ao
enveredarem por novas vias que criam uma ruptura com as antigas, aderem facilmente
a novos projetos que lhes tragam uma libertação dos velhos preconceitos éticos.
Numa cultura hedonista, na qual as a igreja
foi substituída pelo shopping, a beleza da virtude pela estética corporal, o
jejum e a penitência pela dieta e o suor no ginásio, uma religião de dogmas e
prescrições morais só poderia surgir ao pensamento contemporâneo como algo
ultrapassado, impositivo, que asfixia a própria pretensão de verdade.
Assim, nega-se a verdade na sua
transcendência absoluta, da qual dimanam todas as demais, e corre-se o sério
risco de "panteistizá-la". Todos com a verdade, e a verdade com
todos. Se tudo é verdade, terá sentido o próprio termo? Como convidar o homem a
sair de si, e dos seus preconceitos recentemente criados, a esmo, conforme o
cardápio apresentado por verdades relativizadas, engolidas sem mastigar, que o
empanturram de critérios pouco judiciosos, assimilados com a mesma rapidez com
que muda o canal da TV?
A resposta não é uma verdade abstrata, mas
uma pessoa concreta: Jesus Cristo, a "Palavra eterna que se exprime na
criação e comunica na história da salvação" (Verbum Domini n. 11). Para o
cristão, a Verdade absoluta, Deus, encarnou e fez-se homem (Cf. Jo 1, 14),
possui um rosto - "Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14, 9) - e um nome, não
havendo debaixo do céu salvação em nenhum outro (Cf. At. 4, 12). Ele é o
Caminho, a Verdade e a Vida (Cf. Jo 14, 6). Esta é a grande novidade do
cristianismo, um Deus pessoal, não distante, que entra na História.
Como renunciar Àquele que possui palavras de
vida eterna (cf. Jo 6, 68), e trocá-las por palavras humanas, levadas e
esquecidas pelo tempo, ou superadas por uma nova erudição ou pensamento
falível? Em Jesus, "a Palavra não se exprime primariamente num discurso,
em conceitos ou regras; mas vemo-nos colocados diante da própria pessoa de
Jesus. A sua história, única e singular, é a palavra definitiva que Deus diz à
humanidade" (VD n.11). Esta, excede toda e qualquer capacidade intelectual
humana que "com as suas próprias capacidades racionais e imaginação, jamais
teria podido conceber" (Loc. Cit.).
Como chegarmos à conclusão de que não nos
enganamos? São João é nossa testemunha: "‘Nós vimos a sua glória, glória
que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de verdade' (Jo 1, 14b).
A fé apostólica testemunha que a Palavra eterna Se fez Um de nós" (VD n.
11). Apenas a Revelação poderia trazer uma verdade plena que orientasse os
homens em sua peregrinação terrena e os levasse a um seguro conhecimento, tanto
quanto possível à sua natureza limitada.
Descobrimos assim que a verdade não é
abstrata, variável, limitada, mas que é o próprio Deus encarnado, que entrando
na história concreta dos homens, com Palavras de vida eterna, orienta-os na sua
peregrinação terrena, convidando-os a conformar a sua vida à luz da Revelação.
Por Padre José
Victorino de Andrade, EP
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Você pode deixar seu comentário ou sua pergunta. O respeito e a reverência serão sempre bem vindas.