Ontem o Papa Francisco celebrou a Missa "versus Deum" e levantou-se, novamente, a questão da Missa "ad orientem". Os
que se lembram da “Missa antiga” ou os que participam ainda dela, a Missa
tridentina ou gregoriana, sabem que o sacerdote está voltado para o sacrário ou
para a cruz, ou ainda para o retábulo do altar-mor. Mal interpretando, dizia-se
(e ainda alguns insistem em dizer) que o padre celebrava “de costas para o povo”.
A verdade é que o padre celebrava “de frente para Deus” e, junto do povo, como
um capitão, guiava a nau da Igreja rumo ao mistério do céu; juntos, na mesma
direção, pastor e ovelhas se colocavam em marcha para o Senhor.
Após
o Concílio Vaticano II, interpretou-se (sem bases específicas) que a “Missa Nova”
deveria ser sempre “versus populum” (voltada para o povo) e não mais “versus
Deum” (voltada para Deus). Entretanto no Missal de 1970, com o Novus Ordo,
não se modificou a direção do sacerdote celebrante. Os documentos recentes da
Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, bem
como o próprio Papa emérito Bento XVI, à época Cardeal Joseph Ratzinger,
prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em entrevista por
ocasião do lançamento de seu livro “O espírito da liturgia”, atestam a tradição
da Missa versus Deum. Nas próprias rubricas do Missal Romano de Paulo VI
encontramos as informações que confirmam tal ensino: o sacerdote deve, segundo
tais textos, durante a Liturgia Eucarística, “voltar-se para o povo” durante
alguns atos; isto significa que, se deve voltar-se ao povo, é porque antes
estava voltado “ad Orientem”. Esta expressão, “ad Orientem”, é muito importante,
porque não só o sacerdote se voltava para Deus, mas para Deus que nasceu no
oriente; essa razão teológica fez com que todas as primeiras Igrejas Católicas
fossem construídas voltadas para o oriente.
A posição “ad Orientem” ou “versus Deum”
nunca foi expressamente proibida por algum decreto, nem esse foi o desejo
dos Padres do Concílio Vaticano II. Pelo contrário, essa é a forma histórica de
oferecimento da Missa, observada inclusive pelos ritos orientais até hoje. Mesmo
assim, ainda que a norma seja a manutenção da direção do sacerdote ad
Orientem, foi permitida pela reforma litúrgica a posição versus populum,
atrás do altar, forma, aliás, que se disseminou mundialmente, tornando-se
bastante popular, por força da Instrução Geral do Missal Romano que propunha
tal forma.
Uma nota publicada, em 1993,
pela Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos ,
em seu boletim Notitiae, reafirmou o valor de ambas as opções: celebração
versus populum ou versus Deum, de modo que quaisquer dúvidas deveriam ser
dissipadas. No entanto, ainda há choque por meio tanto de padres como de fiéis
leigos o fato de ainda se celebrar “versus Deum”, “ad orientem”. Assim como
também há fiéis e padres que acreditam piamente que o Concílio Vaticano II
aboliu o uso do latim na Liturgia. É triste saber que padres e grupos católicos
são criticados e mal falados por seguirem o correto, o que a Igreja ensinou e
pediu.
Alguém poderia perguntar: “Há valor em se
celebrar dessa forma? Os fiéis leigos não se sentirão ‘rejeitados’ pelo padre
que não olha para eles?” Os motivos da celebração “versus Deum”, “ad
Orientem” são, sobretudo:
-
Um olhar voltado para Deus; a primazia do sagrado. Não pode haver distrações:
povo e sacerdote se unem para caminharem para o Senhor. Não olhamos uns para os
outros, mas olhamos todos para Deus. Por isso, nas Igrejas mais antigas havia
aquele cuidado e zelo pelo altar principal, pelo retábulo. Arte e devoção se
uniam para fazer daquele espaço um lugar incomum, sagrado, simbólico, reverente
e todo consagrado para a adoração. E hoje, como estão nossos altares? Vazios e
sem beleza; apenas uma mesa comum, lugar tantas vezes profanado;
-
O sinal do sacerdote como sendo o próprio Cristo que, à frente do seu povo e
com seu povo, se oferta a Deus como oblação agradável. Não estamos numa mera
reunião “em torno à mesa”, estamos diante do Senhor; o padre está, na verdade,
à sua frente, como líder, como aquele que, em nome da humanidade, mostra-se
diante de Deus, e, agindo Cristo por Ele, oferece um sacrifício. Virando-se
para os fiéis nos momentos oportunos, é o representante de Deus que nos dá a
bênção;
-
União com a tradição litúrgica da Igreja. Há coisas que podem ser passíveis de
mudança, porque não afetarão a fé dos fiéis nem atacarão a sã doutrina. No
entanto, há outras que devem ser mantidas porque exprimem valores, história e
uma teologia profunda de há séculos. “Lex orandi, lex credendi” – “A lei de
crer é a mesma do orar”, isto é, pela forma com que rezamos, demonstramos nossa
fé e esta fé se reproduz na oração que exprime o que cremos. Assim, a forma
como celebramos a Missa e participamos dela, vai demonstrar como está nossa fé
na Eucaristia, no Sublime, o que entendemos por adoração, piedade, reverência...;
-
Acabamos com o protagonismo dos sacerdotes. Alguns setores progressistas da
Igreja defendem apenas o uso da Missa voltada para o povo, alegando a Missa
como “encontro de irmãos”, “ceia fraterna”. Estas interpretações estreitas põem
o acento na figura do padre como “animador” da Celebração, “presidente” daquele
momento. Visto assim, o padre se vê na obrigação de fazer de tudo para “prender
a atenção” dos fiéis, desde de cantar e dançar até contar piadas e fazer outros
malabarismos; a Missa tornou-se um “show”, um “espetáculo”, onde o padre “precisa
ter unção”, “precisa ser animado”, “carismático”. A Missa de frente para Deus é
sóbria, não favorece o antropocentrismo, a evidência do padre, mas do sagrado,
de Deus. A face do padre está na maior parte dessa Missa escondida, porque não
este ou aquele padre que é importante por seus dons ou seu rosto, mas o Cristo
nele, o sacerdócio dele.
Falamos
da licitude da Missa “ad orientem” e dos bons frutos que ela traz, mas, evidentemente,
a Missa voltada para o povo, se celebrada dignamente, com reverência e centrada
em Deus, nos dá os mesmos frutos. Quando nós, padres, celebramos “versus
populum” devemos sempre lembrar que, espiritualmente, estamos “voltados para
Deus”. Uma regra simples e que muito ajuda o sacerdote nesta lembrança é por o
crucifixo no meio do altar. A cruz centrada, ou “Missa orientada” vai sempre
lembrar ao padre que ele está de frente para Deus, por Jesus Cristo crucificado.
O padre lembrará que oferece um sacrifício, o de Cristo na cruz, sem
derramamento de sangue.
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