Dom José Cordeiro, Bispo de
Bragança-Miranda, em Portugal e Presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e
Espiritualidade, sublinha a importância das festas religiosas que vão marcar o
tempo de inverno, convidando as comunidades a viver a dimensão cristã
fundamental das mesmas. Ele reconhece que há desvios e que algumas festas tornaram-se
apenas entretenimento e interesse comercial. Leia a entrevista que o Bispo deu
à Agência Ecclesia:
Agência ECCLESIA (AE) – Na
nota pastoral que escreveu, recentemente, sobre “O sentido autêntico das festas
cristãs” deixou alguns apelos e normas. Sente que na Diocese de
Bragança-Miranda as festas cristãs não têm a vivência correta?
D. José Cordeiro (JC) – Algumas
situações não estão no verdadeiro sentido de autenticidade do cristianismo. No
entanto, reconheço que em muitas comissões e mordomias se vive este sentido
cristão das festas, de modo especial as populares. (...) Só que, às vezes,
estas festas transformam-se em simples entretenimento e com outros interesses
comerciais e lúdicos e não tanto a vivência cristã. A parte do convívio e da
relação é extremamente importante, mas não nos podemos servir dos santos ou dos
padroeiros para outros fins.
AE – 50 anos depois da “Sacrosanctum
Concilium” (Documento conciliar sobre a Liturgia), estas normas ainda não
entraram na dinâmica eclesial.
JC – Daquilo que
constato e da minha experiência pastoral, ainda estamos muito longe. A piedade
popular é um enorme tesouro na vida da Igreja, mas são necessários novos
enquadramentos e orientações. Recentemente, um pároco dizia-me: “Dá-me a
sensação que nós emprestamos apenas o nome e as imagens dos santos e o resto
está sem ordem e sem disciplina”. Falta o sentido autêntico. O que qualifica a
festa cristã é a Eucaristia e o encontro das pessoas na gratuidade. O centro da
festa deve ser Jesus Cristo para a maior glória de Deus e a santificação do
homem. Se perdemos este horizonte caímos no relativismo. Isso não pode
acontecer…
AE – A cidade de Lisboa com
o Santo Antônio e o Porto com o São João vivem, nos próximos dias, duas grandes
festas populares. Será que as pessoas que vão a estas festas conhecem o
verdadeiro sentido destas festividades e alguns registros biográficos destes patronos?
JC – Provavelmente
muitas dessas pessoas não conhecem. Mas isso também acontece nos meios mais
pequenos. Os santos são os discípulos de Cristo. Aqueles que são apresentados
como modelos e viveram o caminho das bem-aventuranças. São para nós uma
motivação e um referencial na peregrinação da vida. As festas ditas populares
não podem ser apenas lúdicas como acontece na “festa da castanha” ou a “festa da
amêndoa, do mel ou do azeite”…
AE – Se a castanha tivesse
um padroeiro passava a ser também uma festa religiosa…
JC – Não basta que seja
religiosa é preciso que seja cristã. Esse é que é o nosso desafio e o nosso
esforço. Às vezes, nas visitas pastorais, brinco um pouco e digo: “Há pessoas
tão religiosas, tão religiosas que não chegam a ser cristãs”.
AE – O que fazer para
alterar esta mentalidade? Não pode ser apenas com notas pastorais?
JC – Isto não se faz
por decreto ou nota pastoral. Este documento serve para avivar as disposições
que a Diocese de Bragança-Miranda tem desde 2003. Não as alteramos, apenas
queremos dar-lhes continuidade. Este trabalho tem de ser feito ao longo do Ano
Litúrgico e não só na proximidade das festas. É preciso uma formação permanente
dos leigos e, de um modo especial, das pessoas que estão nas comissões e nas
mordomias. As festas não podem ser uma coisa desligada do Ano Litúrgico, do
Evangelho de Jesus Cristo e com o grande depósito da fé.
AE – Atualmente, estas
festas ainda estão desligadas dessa vivência eclesial porque o lado lúdico e
comercial predominam nesses dias. Muitas vezes, o lado cristão destas festas
resume-se à celebração da Eucaristia.
JC – Exatamente. Em
muitos lugares acontece isso. Para além da celebração, o resto da festa não tem
o enquadramento. Parecem coisas paralelas ou opostas. A festa deve ser
integrada e com sentido de unidade do espírito humano e cristão.
AE – Termina a missa e
começam as bailarinas a dançar no palco ao lado da Igreja…
JC – Se calhar, nalguns
sítios, acontece isso. Devia haver um sentido maior do sagrado. O programa das
festas deve ser harmonioso. No entanto, reconheço que isto é muito difícil
porque foi sendo enraizado ao longo dos tempos. Sobretudo no tempo “das vacas
gordas”, onde existiam grandes orçamentos para as festas. Nunca se deve perder
o sentido da comunidade. O dia da festa não pode ser um dia de evasão. Deve ser
integrado no dinamismo da fé e da evangelização.
AE – Lugares privilegiados
de evangelização…
JC – Verdade. Elas
devem ser bem preparadas, celebradas e vividas. Se tal acontecer, são festas
evangelizadoras.
AE – A primeira etapa é
refazer os programas da festa?
JC – Apelo a que se
faça um programa harmonioso onde o pároco ou o capelão tenham uma palavra a
dizer. Deve haver um diálogo permanente e trabalho de colaboração entre a
comissão de festas e o pároco. Em relação a este aspeto, reconheço que temos um
enorme trabalho já realizado. Gostaria que esse trabalho positivo passasse
também para outras unidades pastorais, que se alargasse a todo o território da
diocese.
AE – Todavia, reconhece que
muitas pessoas vão a estas festas porque está lá o artista conhecido.
JC – Não sou contra os
espetáculos dos artistas. Eles também têm o seu lugar na festa, mas dentro de
um programa integral. Peço é que nunca se perca o sentido comunitário. As
pessoas têm o direito a saber, não apenas do programa, mas também das contas da
festa.
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