Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores,
Com sentimento de respeito e
apreço, apresento-me hoje aqui, na Segunda Conferência Internacional sobre
Nutrição. Agradeço-lhe, senhor Presidente, a calorosa acolhida e as palavras de
boas-vindas que me dirigiu. Saúdo cordialmente o Diretor-Geral da FAO, o Prof.
José Graziano da Silva, e a Diretora-Geral da OMS, a Dra. Margaret Chan, e
alegra-me a sua decisão de reunir nesta Conferência representantes de Estados,
instituições internacionais, organizações da sociedade civil, do mundo da
agricultura e do setor privado, com a finalidade de estudar juntos as formas de
intervenção para garantir a nutrição, assim como as mudanças necessárias que
devem ser acrescentadas às estratégias atuais. A total unidade de propósitos e
de obras, mas, sobretudo, o espírito de fraternidade, podem ser decisivos para
soluções adequadas. A Igreja, como vocês sabem, sempre procura estar atenta e
solícita em relação a tudo o que se refere ao bem-estar espiritual e material
das pessoas, primeiramente das que vivem marginalizadas e estão excluídas, para
que sua segurança e dignidade sejam garantidas.
Os destinos de cada nação estão mais do que
nunca entrelaçados entre si, como os membros de uma mesma família, que dependem
uns dos outros. Porém, vivemos numa época em que as relações entre as nações
estão demasiadas danificadas pela suspeita recíproca, que às vezes se converte
em formas de agressão bélica e econômica, mina a amizade entre irmãos e
rechaça ou descarta quem já está excluído. Conhece bem esta realidade quem
carece do pão quotidiano e de um trabalho decente. Esta é a situação do mundo,
em que é preciso reconhecer os limites de visões baseadas na soberania de cada
um dos Estados, entendida como absoluta, e nos interesses nacionais,
condicionados frequentemente por poucos grupos de poder. Isso está bem
explicitado na leitura da agenda de trabalho dos senhores, para elaborar novas
normas e maiores compromissos para alimentar o mundo. Nesta perspectiva, espero
que, na formulação desses compromissos, os Estados se inspirem na convicção de
que o direito à alimentação só será garantido se nos preocuparmos com o sujeito
real, ou seja, com a pessoa que sofre os efeitos da fome e da desnutrição.
Hoje em dia se fala muito em direitos,
esquecendo com frequência os deveres; talvez nos preocupemos muito pouco com os
que passam fome. Além disso, dói constatar que a luta contra a fome e a
desnutrição é dificultada pela «prioridade do mercado» e pela «preeminência da
ganância», que reduziram os alimentos a uma mercadoria qualquer, sujeita à especulação,
inclusive financeira. E enquanto se fala de novos direitos, o faminto está
aí, na esquina da rua, e pede um documento de identidade, ser considerado em
sua condição, receber uma alimentação de base saudável. Pede-nos dignidade, não
esmola.
Estes critérios não podem permanecer no limbo
da teoria. Pessoas e povos exigem que a justiça seja colocada em prática; não
apenas a justiça legal, mas também a contributiva e a distributiva. Por isso,
os planos de desenvolvimento e de trabalho das organizações internacionais
deveriam levar em consideração o desejo, tão comum em meio às pessoas comuns,
de ver que se respeitam em todas as circunstâncias, os direitos fundamentais da
pessoa humana e, no nosso caso, da pessoa faminta. Quando isso acontecer, as
intervenções humanitárias, as operações urgentes de ajuda ou de desenvolvimento
– verdadeiro e integral – terão maior impulso e darão os frutos desejados.
O interesse pela produção, a disponibilidade
de alimentos e o acesso a eles, as mudanças climáticas, o comércio agrícola,
devem certamente inspirar regras e medidas técnicas, mas a primeira
preocupação deve ser a própria pessoa, aquelas que carecem de alimento
quotidiano e que deixaram de pensar na vida, nas relações familiares e sociais
e lutam apenas pela sobrevivência. O Santo Papa João Paulo II, na
inauguração desta sala na Primeira Conferência sobre Nutrição, em 1992, alertou
a comunidade internacional para o risco do “paradoxo da abundância”: existe
comida para todos, mas nem todos podem comer, enquanto o desperdício, o
descarte, o consumo excessivo e o uso de alimentos para outros fins estão sob
nossos olhos. Infelizmente, este “paradoxo” continua sendo atual. Poucos temas
apresentam tantos sofismas como os que se relacionam à fome; e poucos assuntos
são tão susceptíveis de ser manipulados por dados, estatísticas, exigências de
segurança nacional, a corrupção ou lamentos melancólicos sobre a crise econômica.
Este é o primeiro desafio a ser superado.
O segundo desafio que se deve enfrentar é a
falta de solidariedade. Nossas sociedades se caracterizam por um crescente
individualismo e pela fragmentação; isto termina privando os mais frágeis de
uma vida digna e provocando revoltas contra as instituições. Quando falta a
solidariedade num país, todos se ressentem. Com efeito, a solidariedade é
a atitude que torna as pessoas capazes de ir ao encontro do próximo e fundar
suas relações mútuas neste sentimento de fraternidade que vai além das
diferenças e dos limites, e encoraja a procurarmos, juntos, o bem comum.
Se tomassem consciência de ser parte
responsável do desígnio da Criação, os seres humanos seriam capazes de se
respeitar reciprocamente, ao invés de combater entre si, danificando e
empobrecendo o planeta. Também os Estados, concebidos como uma comunidade de
pessoas e de povos, se fossem exortados a atuar de comum acordo, estariam
dispostos a ajudar-se uns aos outros, mediante princípios e normas que o
direito internacional coloca à sua disposição. Uma fonte inesgotável de
inspiração é a lei natural, inscrita no coração humano, que fala uma linguagem
que todos podem entender: amor, justiça, paz, elementos inseparáveis entre si.
Como as pessoas, também os Estados e as instituições internacionais são
chamadas a acolher e cultivar estes valores, no espírito de diálogo e escuta
recíproca. Deste modo, o objetivo de nutrir a família humana torna-se
realizável.
Cada mulher, homem, criança, idoso, deve
poder contar em todas as partes com estas garantias. E é dever de todo Estado,
atento ao bem-estar de seus cidadãos, subscrevê-las sem reservas, e
preocupar-se com a sua aplicação. Isto requer perseverança e apoio. A Igreja
Católica procura oferecer também neste campo sua contribuição, através de uma
atenção constante à vida dos pobres em todos os lugares do planeta; nesta mesma
linha se insere o envolvimento ativo da Santa Sé nas organizações
internacionais e com seus múltiplos documentos e declarações. Pretende-se deste
modo contribuir para identificar e assumir os critérios que o desenvolvimento de
um sistema internacional equânime deve cumprir. São critérios que, no plano
ético, se baseiam em pilares como a verdade, a liberdade, a justiça e a
solidariedade; ao mesmo tempo, no campo jurídico, estes mesmos critérios
incluem a relação entre o direito à alimentação e o direito à vida e a uma
existência digna, o direito a ser protegidos pela lei, nem sempre próxima à
realidade de quem passa fome, e a obrigação moral de partilhar a riqueza econômica
do mundo. Se se crê no princípio da unidade da família humana,
fundado na paternidade de Deus Criador, e na fraternidade dos seres
humanos, nenhuma forma de pressão política ou econômica que se sirva da
disponibilidade de alimentos pode ser aceitável. Mas, acima de tudo, nenhum sistema
de discriminação, de fato ou de direito, vinculado à capacidade de acesso ao
mercado dos alimentos, deve ser tomado como modelo das ações internacionais que
se propõem a eliminar a fome.
Ao compartilhar estas
reflexões com os senhores, peço ao Todo Poderoso, ao Deus rico em misericórdia,
que abençoe todos aqueles que, com diferentes responsabilidades, se colocam a
serviço dos que passam fome e sabem atendê-los com gestos concretos de
proximidade. Peço também para que a comunidade internacional saiba escutar o
apelo desta Conferência e o considere uma expressão da comum consciência da
humanidade: dar de comer aos famintos para salvar a vida no planeta. Obrigado.
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