Os
tecidos sociocultural, político e religioso se configuram por dinâmicas de
diálogos e confrontos, entre pessoas na esquina de uma rua ou até em processos
de elaboração decisória numa suprema corte. Dialogar é imprescindível na
geração e manutenção de processos vitais e politicamente indispensáveis ao
funcionamento da sociedade. Sem esta atitude, tudo fica comprometido. Não é
raro ouvir sobre crises institucionais, perda de identidades e de força por
falta de diálogo, de comunicação. E esse processo é também marcado por
confrontos, que são inevitáveis.
Valem a sabedoria e a habilidade para não
permitir que os embates gerem desgastes irreparáveis, ou retardem avanços
indispensáveis quando são consideradas as metas já definidas. No núcleo dos
diálogos e confrontos, na vida comum, política, religiosa e profissional, está
instalado um processo interpretativo que é, na verdade, um confronto inevitável
em busca da verdade.
Esse processo de interpretação é um impulso
que determina rumos, ilumina compreensões e garante o compromisso necessário no
viver da história. Em jogo está a questão de princípios e valores, fundamentais
para o norteamento da vida da sociedade e para o equilíbrio de suas
instituições. Todos estão neste cenário na condição de intérpretes. Por isso
mesmo, é tão comum se ouvir as mais diversificadas opiniões. Não raro é ver
também quem dá opinião sobre o que não conhece.
Fique sublinhado, no entanto, o lugar
determinante de rumos e de escolhas a partir do lugar que se ocupa e de onde se
interpreta a realidade, influenciando destinos políticos, bem como os tipos e
modos de vivências religiosas. Um aspecto é determinante e insubstituível nesse
complexo processo de diálogos e confrontos. Trata-se do apreço, respeito e
compromisso de cada um pela verdade - respeitá-la e testemunhá-la
responsavelmente. É incontestável que a verdade possui a força ordenadora das
relações sociais, permite a competência de respeitar a dignidade de toda
pessoa.
Ora, a sociedade e suas relações não podem se
estabelecer como um puro arbítrio. Exige-se um processo educativo permanente e
denso, que capacita pessoas na vivência de sua cidadania. É a conquista da
competência cidadã para viver as dinâmicas de diálogo e confrontos que permite
alcançar mais justiça, liberdade e respeito aos direitos. A verdade, nesta
perspectiva, não pode ser reduzida a opiniões ou relativizações. Sua busca
permanente configura a liberdade de toda pessoa, como exigência inseparável do
entendimento adequado da dignidade humana.
Ganhou exemplaridade o que se passou
recentemente no Supremo Tribunal Federal, com a consideração de “embargos
infringentes”, vocabulário novo no entendimento cidadão. Cinco ministros contra
e cinco a favor. O parecer de um fez o desempate. Afinal, neste processo
interpretativo, quem está com a razão? A retomada do julgamento, com base em
argumentos interpretativos, permitiu uma mudança de cenário para o que estava
já decidido, e todo tipo de volatilidade no percurso de busca da verdade é
extremamente danosa.
Inegociável deve ser o respeito a identidades
ou ao que, em sua decorrência, se assume como compromisso e posturas sociais,
políticas, religiosas e culturais. Uma conduta importante que baliza
funcionamentos democráticos, fazendo cumprir aquilo que realmente é papel
institucional. No caso específico do julgamento, uma corte suprema não pode
tender a interpretações que comprometam o sentido pleno do direito defendido.
Também assim, uma família não pode ser, em respeito à sua identidade e missão,
palco de ataques ou de propagação de elementos que contradigam o seu sentido.
Instituição alguma pode ensinar aquilo que é contrário à sua identidade.
Sem esses zelos institucionais, com a
complexidade dos processos interpretativos, com suas nuances subjetivas e
impostações científicas, se poderá presenciar absurdos como quem defende a vida
propagando argumentações abortistas, ou de quem se compromete com a justiça,
mas deixa-se levar por dinâmicas ilegítimas. Não se pode aceitar que, em nome
de participação ou democracia, autoridades e cidadãos negociem identidades,
emprestando suas vozes para fazer ouvir o que é contrário àquilo que é
fundamental: os princípios e valores.
Dom
Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte
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