Li em algum lugar que um
frio terrível se abatera sobre o reino dos animais. Frio tão intenso que, se
alguém ficasse sozinho, acabaria congelando. Por isso os animais se agrupavam,
um encostado no outro, para que se aquecessem. O porco espinho fez o mesmo, mas
logo desistiu: ficou incomodado com as pequenas espetadas de seu colega
porco-espinho. Preferiu dormir sozinho. Resultado: morreu congelado. E assim, a
cada dia morria um porco-espinho no reino dos animais. Nenhum suportava as
espinhadas do outro. Prevendo um fim trágico para todos, entraram num acordo:
ficar todos bem juntinhos, se aquecendo, apesar dos espinhos, para não
morrerem.
Essa historinha traz uma
lição importante: ninguém consegue viver sozinho e ninguém consegue conviver
sem algum tipo de sacrifício. Cada pessoa tem “espinhos” que incomodam outros,
e os outros têm alguns espinhos que a irritam. Os espinhos são os defeitos
pessoais, as limitações, manias. São o modo de falar, de agir, a aparência
externa, limites emocionais, cacoetes, pequenas coisas que nos irritam. Percebo
os defeitos do outro e ele percebe os meus. Fica a escolha: viver sem incômodos
e morrer, ou conviver com eles para viver.
Essas coisas dependem muito
de nosso olhar, de nossos sentimentos: atrás de um espinho podemos ver uma
roseira ou um espinheiro. Se vemos uma roseira, vale a pena suportar os
espinhos devido à beleza da rosa. Se vemos um espinheiro, tomamos distância. No
romantismo do namoro e do noivado, os defeitos parecem pequenos encantos,
porque o amor é muito forte, é ainda paixão. Depois, no casamento, se entra na
rotina, e os defeitos “encantadores” viram motivo de confusão…
A convivência tem por
objetivo ajudarmos as pessoas a se aperfeiçoarem. Pelo afeto, compreensão e
diálogo ajudá-las a superarem seus limites. Se exijo que o outro não tenha
nenhum defeito, tudo bem, somente que o outro também exigirá isso de mim e
acabaremos morrendo de solidão, de tédio.
A moça que procura um jovem
perfeito para o casamento, acaba ficando sozinha. O marido que sonha com uma
rainha dentro do lar, vai perceber que a esposa também quer um rei e lá se vai
água abaixo o amor familiar. Há gente sem amigo porque procura o impossível: um
amigo perfeito. Muita coisa boa não é construída porque, de tanto enxergar
defeito nas pessoas, não temos mais colaboradores.
Atingimos a arte de conviver
suportando as pequenas “espetadas” de cada dia, sabendo que nossa paciência
ajudará o outro a ser melhor. Vale a pena conviver com pequenas limitações,
pois a alegria do estarmos juntos com os outros é muito maior. Se nos isolamos
para não nos incomodarmos com os defeitos alheios, acabaremos aumentando o
tamanho de nossos defeitos pessoais. O isolamento nos torna incapazes de nos
enxergarmos a nós mesmos e nos torna amargos frente à vida.
O outro é meu espelho e eu
sou o espelho dele. Às vezes, o que mais me irrita nas pessoas é aquilo que eu
tenho e também as irrita. Dizem que vemos nos outros os defeitos que não
enxergamos em nós!
Mas não é só por isso, por
interesse pessoal, que aceitamos os pequenos sacrifícios impostos pela
convivência. Nosso objetivo é maior vai além: existimos para que o outro possa
existir. Fomos criados para multiplicar a solidariedade e não a solidão.
Ninguém é uma ilha.
Precisamos de humildade, se
não quisermos acabar sozinhos. Apesar de alguma “espetada“, a convivência enche
nossa vida de calor humano. E então, vale a pena viver!
Pe. José Artulino Besen
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