Foi numa esquina qualquer
que se encontraram o Pai Natal e o Menino Jesus. Enquanto aquele se preparava
para subir um prédio, com o seu saco às costas, este último, recém-nascido,
descia à terra e oferecia-se inerme, num pobre estandarte, que cobria uma mísera
janela.
- Quem és tu, Menino – disse
o velho – e que fazes por aqui?! É a primeira vez que te vejo!
- Sou Jesus de Nazaré e ando
há vinte séculos à procura de uma casa que me receba e, como há dois mil anos
em Belém, não há quem me dê pousada.
- Pois não é de estranhar!
Não vês que vens quase nu?! Porque não trazes roupas quentes, como as que eu
tenho, para me proteger do frio do inverno?
- O calor com que me aqueço
é o fogo do meu amor e o afeto dos que me amam.
- Eu trago muitos presentes,
para os distribuir pelas casas das redondezas. E tu, que andas por aqui a
fazer?
- Eu sou rico, mas fiz-me
pobre, para os pobres enriquecer com a minha pobreza. Eu próprio sou o presente
de quem me acolher. Não vim ensinar os homens a ter, mas a ser, porque quanto
mais despojada é a vida humana, maior é aos olhos do Criador.
- E de onde vens e como vieste
até aqui? Eu venho da Lapônia, lá para as bandas do pólo norte.
- Eu venho do céu, de onde é
o meu Pai eterno, e vim ao mundo pelo sim de uma virgem, que me concebeu do
Espírito Santo.
- Que coisa estranha! Nunca
ouvi falar de ninguém que tenha nascido de uma virgem e assim tenha vindo ao
mundo! E não tens nenhum animal que te transporte para tão longa viagem, como
eu tenho estas renas?
- Um burrinho foi a minha
companhia em Belém, e foi também o meu trono real, na entrada triunfal em
Jerusalém.
- Um burro?! Não é grande
coisa, para trono de um rei…
- O meu reino não é deste
mundo e a sua entrada é tão estreita que os meus cortesãos, para lá entrarem,
se têm que fazer pequeninos, porque destes é o meu reino.
- E que coisas ofereces? Que
tesouros tens para dar? Que prometes?
- Trago a felicidade, mas
escondida na cruz de cada dia; trago o céu, mas oculto no pó da terra; trago a
alegria e a paz, mas no reverso das labutas do próprio dever; trago a
eternidade, mas no tempo gasto ao serviço dos outros; trago o amor, mas como
flor e fruto da entrega sacrificada.
- Pois eu trago as coisas
que me pediram: jogos e brinquedos para as crianças e, para os adultos, saúde,
prazer, riqueza e poder. Mas, por mais que lhes dê, nunca estão satisfeitos!
- A quem me dou, quer-me
sempre mais na caridade que tem aos outros, porque é nos outros que eu quero
que me amem a mim.
- Mais um enigma! De fato,
somos muito diferentes, mas pelo menos numa coisa nos parecemos: ambos estamos
sós, nesta noite!
- Eu nunca estou só, porque
onde estou, está sempre o meu Pai e onde eu e o Pai estamos, está também o Amor
que nós somos e estão aqueles que me amam.
- Bom, a conversa está
demorada e ainda tenho muitas casas para assaltar, pela lareira, como manda a
praxe.
- Eu estou à porta e bato e
só entrarei na casa de quem liberrimamente me abrir a porta do seu coração e aí
cearei e farei a minha morada.
- Pois sim, mas eu vou
andando que já estou velho e cansado …
- Eu acabo de nascer e quem,
mesmo sendo velho, renascer comigo, será como uma fonte de água viva a jorrar
para a vida eterna.
O velho Pai Natal,
resmungando, subiu ao telhado do luxuoso prédio, atirou-se pela chaminé abaixo
e desapareceu.
Padre Gonçalo Portocarrero
de Almada
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