Muito podemos aproveitar a
figura de São Bento como pai espiritual e mestre do ascetismo, mesmo não
fazendo parte de uma família tradicional beneditina, dada não só a projeção
pessoal do testemunho monástico do Santo, mas também e, sobretudo, o traço de
expansão da sua espiritualidade que moldou a vida no Ocidente cristão. De fato,
o valor experiencial da vida de São Bento de Núrcia pode ser entendido como o
de uma individualidade paradigmática análoga à daquelas personalidades talhadas
para rasgar largos horizontes em períodos incoativos de grandes ciclos
históricos. Poderíamos mesmo afirmar: São Bento: o eterno no tempo.
Grande construtor do monaquismo ocidental e
verdadeiramente seu fundador pela Regra, que muito rapidamente se disseminou e
integrou durante séculos todas as variadas sensibilidades monásticas no
Ocidente, São Bento aparece para dar sentido concreto à concepção de uma
história cristã, já explícita em Santo Agostinho, realizando na instituição
monástica o ideal de harmonia entre a vida terrena e a vida celestial.
Mas, se a memória dos tempos postula o
incessante reavivar da tradição beneditina, procurando determinar-lhe as
origens e os contextos históricos e beber na fonte exemplar da espiritualidade
da Regra e da vida do seu autor, por outro lado, existe nesta mesma fonte
espiritual algo de perene que antes deve ser recolhido pela reflexão piedosa.
De fato, se o ideal monástico excede a maneira beneditina de ser entendido, o
regime de vida espiritual proposto por São Bento, mercê das características de
um rigoroso zelo na prática das virtudes, acompanhado de um sadio sentido
realista do exercício espiritual e também de uma sábia integração dos vários
aspectos da vida ativa e contemplativa, e ainda de um justo sentido de
moderação, constitui o modelo prático mais acessível ao seu entendimento em
termos de uma teologia da espiritualidade monástica.
Mas, mais do que um entendimento teológico,
importa antes uma devoção meditativa, não muito distanciada da característica
atenção compreensiva de uma filosofia da espiritualidade, capaz não tanto de
integração histórica, mas outrossim de demanda de valores essenciais que
permitam compreender a persistência do ideal monástico e dos seus altos cumes
de vida espiritual e contemplativa. Entre o projeto de renúncia eremítica e
suas precoces transformações numa vida mística, por um lado, e, por outro, o
propósito especificado das diversas formas monásticas no sentido apostólico e
de pedagogia especializada, como se testemunha nas diversas ordens religiosas
ulteriores, o cerne da espiritualidade da Regula está dado pelo equilíbrio
entre a oração e o trabalho e, sobretudo, pelo reconhecimento de uma
indispensável ascese preparatória da vida virtuosa em geral e propedêutica a um
discernimento da vida mística em particular.
Mais importante do que a descrição de experiências
místicas é o reconhecimento sábio das regras ascéticas de uma vida santa,
antecipando-se nesses exercícios espirituais a comunicação das virtudes no
equilíbrio entre a vida do monge e a sua integração comunitária. A dimensão
ascética representa a instância crucial em que à horizontalidade da relação dos
homens se propõe a verticalidade do seu máximo aperfeiçoamento espiritual. Mas,
como a nota mais característica desta ascese é a da profunda e total humildade,
deve reconhecer-se que aquele eixo de perfeição ascendente não dispensa o ritmo
prático da vida submissa às formas mais concretas do trabalho e da vida humana.
Para ascender a Deus, o cristão deverá praticar “obras boas”, escalar os “graus
da humildade” e especializar-se na escuta, na obediência sem demora e no
exercício piedoso da oração. Estes traços da espiritualidade beneditina
certamente são para todos nós. Assim, não há dúvida de que o ideal da Regra
beneditina constitui uma forma segura e eficaz de espiritualidade, não só
devido a essa base experiencial e mística da vida de São Bento, mas também pela
sua capacidade de adaptação, expandindo-se em renovadas experiências no espaço
e no tempo.
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