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terça-feira, 21 de outubro de 2014

A espiritualidade de São Bento para o homem moderno


  Muito podemos aproveitar a figura de São Bento como pai espiritual e mestre do ascetismo, mesmo não fazendo parte de uma família tradicional beneditina, dada não só a projeção pessoal do testemunho monástico do Santo, mas também e, sobretudo, o traço de expansão da sua espiritualidade que moldou a vida no Ocidente cristão. De fato, o valor experiencial da vida de São Bento de Núrcia pode ser entendido como o de uma individualidade paradigmática análoga à daquelas personalidades talhadas para rasgar largos horizontes em períodos incoativos de grandes ciclos históricos. Poderíamos mesmo afirmar: São Bento: o eterno no tempo.

  Grande construtor do monaquismo ocidental e verdadeiramente seu fundador pela Regra, que muito rapidamente se disseminou e integrou durante séculos todas as variadas sensibilidades monásticas no Ocidente, São Bento aparece para dar sentido concreto à concepção de uma história cristã, já explícita em Santo Agostinho, realizando na instituição monástica o ideal de harmonia entre a vida terrena e a vida celestial.

  Mas, se a memória dos tempos postula o incessante reavivar da tradição beneditina, procurando determinar-lhe as origens e os contextos históricos e beber na fonte exemplar da espiritualidade da Regra e da vida do seu autor, por outro lado, existe nesta mesma fonte espiritual algo de perene que antes deve ser recolhido pela reflexão piedosa. De fato, se o ideal monástico excede a maneira beneditina de ser entendido, o regime de vida espiritual proposto por São Bento, mercê das características de um rigoroso zelo na prática das virtudes, acompanhado de um sadio sentido realista do exercício espiritual e também de uma sábia integração dos vários aspectos da vida ativa e contemplativa, e ainda de um justo sentido de moderação, constitui o modelo prático mais acessível ao seu entendimento em termos de uma teologia da espiritualidade monástica.

  Mas, mais do que um entendimento teológico, importa antes uma devoção meditativa, não muito distanciada da característica atenção compreensiva de uma filosofia da espiritualidade, capaz não tanto de integração histórica, mas outrossim de demanda de valores essenciais que permitam compreender a persistência do ideal monástico e dos seus altos cumes de vida espiritual e contemplativa. Entre o projeto de renúncia eremítica e suas precoces transformações numa vida mística, por um lado, e, por outro, o propósito especificado das diversas formas monásticas no sentido apostólico e de pedagogia especializada, como se testemunha nas diversas ordens religiosas ulteriores, o cerne da espiritualidade da Regula está dado pelo equilíbrio entre a oração e o trabalho e, sobretudo, pelo reconhecimento de uma indispensável ascese preparatória da vida virtuosa em geral e propedêutica a um discernimento da vida mística em particular.


  Mais importante do que a descrição de experiências místicas é o reconhecimento sábio das regras ascéticas de uma vida santa, antecipando-se nesses exercícios espirituais a comunicação das virtudes no equilíbrio entre a vida do monge e a sua integração comunitária. A dimensão ascética representa a instância crucial em que à horizontalidade da relação dos homens se propõe a verticalidade do seu máximo aperfeiçoamento espiritual. Mas, como a nota mais característica desta ascese é a da profunda e total humildade, deve reconhecer-se que aquele eixo de perfeição ascendente não dispensa o ritmo prático da vida submissa às formas mais concretas do trabalho e da vida humana. Para ascender a Deus, o cristão deverá praticar “obras boas”, escalar os “graus da humildade” e especializar-se na escuta, na obediência sem demora e no exercício piedoso da oração. Estes traços da espiritualidade beneditina certamente são para todos nós. Assim, não há dúvida de que o ideal da Regra beneditina constitui uma forma segura e eficaz de espiritualidade, não só devido a essa base experiencial e mística da vida de São Bento, mas também pela sua capacidade de adaptação, expandindo-se em renovadas experiências no espaço e no tempo. 

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