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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Cardeal explica o significado litúrgico e religioso da Festa de Todos os Santos e a Comemoração de Finados


ZENIT: Eminência, nos próximos dias, vamos celebrar a Festa de Todos os Santos e a Comemoração dos Finados. O Povo de Deus sente muito esses dias, que são também ocasião para refletir e rezar. Ainda é válida a prática das indulgências para os defuntos?

Cardeal Mauro Piacenza: Claro que sim! No dia 02 de novembro, visitando um cemitério e tendo cumprido as condições habituais (confissão, comunhão, recitar o Credo e rezar pelas intenções do Santo Padre) é possível obter a indulgência plenária, aplicável a um fiel defunto.

ZENIT: Só naquele dia é possível conseguir?

Cardeal Mauro Piacenza: Não. Naquele dia é possível fazê-lo de uma maneira particular e visitando um cemitério, mas em qualquer outro dia do ano é possível lucrar a indulgência plenária em conformidade com as várias obras de piedade contidas no Enchiridion Indulgentiarium (a coleção das modalidades em que é possível obter o cancelamento das penas devidas pelos pecados), e optar por aplicá-la a si mesmo, ou a um fiel defunto. A única “limitação” a esta prática piedosa é que só pode ser adquirida uma vez por dia; ou seja, só é possível lucrar uma só indulgência plenária por dia, aplicável a si mesmo ou a um fiel defunto.

ZENIT: Às vezes, em alguns santinhos, há orações com o título: 100 dias de indulgência, 300 dias de indulgência. Como se deve interpretar isso?

Cardeal Mauro Piacenza: Até a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II era possível encontrar essas reivindicações. O correto aprofundamento teológico nos leva a crer que, estando a eternidade fora do tempo e não sendo um “tempo prolongado”, não seja propriamente oportuna a indicação específica da pena temporal e da relativa indulgência. Portanto, hoje se fala unicamente de dois tipos de indulgência: plenária, quando todas as penas devidas aos pecados foram canceladas, ou parciais, quando só em parte são perdoadas.

ZENIT: Mas não basta só a absolvição sacramental? Não basta ir à confissão?

Cardeal Mauro Piacenza: É claro que a primeira grande Reconciliação é o acontecimento da morte e ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo! Em Cristo, todas as promessas do Pai se tornaram um “sim” (2 Cor 1,20). Ele é a fonte da misericórdia, o propósito da misericórdia e a própria misericórdia. O Papa Francisco nunca deixa de lembrar à Igreja como esta realidade da misericórdia seja crucial para o anúncio e para o discipulado cristão. Em retrospectiva, o aviso: "Não tenham medo" de São João Paulo II está na mesma linha da misericórdia. Também porque, como poderia o homem não ter medo, se houvesse a possibilidade da misericórdia? E como a misericórdia poderia ser real experiência vivida, e não somente palavra proclamada, se não determinasse, na concreta existência de cada um, a efetiva possibilidade de vencer todo medo graças à certeza da verdade, da serenidade do bem e, ultimamente, da vitória de Cristo sobre todas as feiúras da história humana? Como todo ato humano, até os pecados têm consequências. O Sacramento da Reconciliação absolve os pecados, mas não elimina todas as suas consequências. Através das indulgências, a Igreja mãe alcança generosamente o tesouro da divina misericórdia, dando aos fiéis a possibilidade da remissão não só das culpas, mas também das penas anexas. Por exemplo, se um homem bate em outro homem, os dois podem se reconciliar, mas nada poderá apagar a dor e a marca da bofetada no rosto. As indulgências apagam também esta marca. Assim se entende bem como o tesouro do qual a Igreja se alimenta constitua a sua mais verdadeira e preciosa riqueza. Esse é o banco mais seguro e consolador que existe e os seus acionistas são realmente de sorte!

ZENIT: Eminência, o senhor disse que as indulgências podem ser aplicadas a si mesmos, ou a um fiel defunto. Por que não a um outro fiel vivo, por quem se reza? Por exemplo, pelo próprio marido, esposa, filhos?

Cardeal Mauro Piacenza: Isso não é possível por causa do grande mistério da liberdade, que nos faz imagem e semelhança de Deus e que Deus mesmo respeita profundamente. Cada um, enquanto está vivo, ou seja, enquanto está no tempo, pode mudar as próprias escolhas existenciais, pode decidir pessoalmente converter-se e nisso ninguém pode substituir-se à liberdade do outro. Portanto, cada um pode lucrar as indulgências e aplicá-las a si mesmo. Certamente é possível orar pela conversão dos irmãos, pela conversão dos pecadores, mas a indulgência, pela sua natureza, já é um exercício, e para cumpri-la são necessários verdadeiros atos de conversão, primeiro de todos a Reconciliação sacramental. No que diz respeito os defuntos, eles, com a morte saíram do tempo e o dom da liberdade acabou para eles. Por esta razão, é sempre importante que a nossa liberdade esteja orientada ao bem e não é nem um pouco prudente permanecer por muito tempo em estado de pecado mortal. Não podendo as almas dos defuntos fazer nada mais pela própria purificação, em força da comunhão dos santos, ou seja, da unidade profunda de todos os batizados em Cristo, nós, que ainda estamos a caminho, podemos fazer a extraordinária obra da misericórdia espiritual em sufrágio das almas, e isso em benefício delas, e ao mesmo, também em benefício nosso.

ZENIT: Esta é a razão pela qual a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de todos os fiéis defuntos estão tão próximas, nos dias 1 e 2 de novembro?


Cardeal Mauro Piacenza: Certamente, a Igreja, desde o início, orou pelos fieis defuntos pertencentes às primeiras comunidades cristãs. Que eles fossem mártires, ou fieis comuns mortos de morte natural, a comunidade entendeu rapidamente o sufrágio pelos defuntos como uma dimensão estrutural da própria vida, da própria oração e, especialmente, da celebração Eucarística. Como forma de significar a unidade profunda com Cristo e em Cristo, criadas com o Batismo, e a partilha da mesma Eucaristia, vivida na comunidade cristã, não podia ser rompida nem mesmo com a morte. Por outro lado, pensando bem, se a morte foi vencida por Cristo, quem renasceu em Cristo não pode mais ser separado de nada, nem sequer daquela morte que Cristo já venceu! A Solenidade de todos os Santos evidencia a verdade da comunhão dos santos, da união de todos os batizados. Como nos lembrou em várias ocasiões o Papa Francisco: “o tempo prevalece sobre o espaço”. Portanto, a união no tempo de todos os batizados, desde os primeiros cristãos, até aqueles que amanhã de manhã receberão o Batismo e até o fim dos tempos, é uma união que nada poderá jamais arranhar e que determina a caminhada da Igreja no tempo que é real antecipação, aqui na terra, do Reino dos Céus. Nós pertencemos ao único Corpo eclesial que, sem interrupção, desde Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos Apóstolos, chegou a nós, e é por esta razão que a Igreja celeste é muito mais numerosa, muito mais interessante, muito mais douta e muito mais “influente” do que a Igreja na Terra.

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