A
barca de Pedro é como a arca de Noé. Se esta providencial embarcação incluía
toda a espécie de criaturas que havia à face da terra, também a Igreja congrega
uma imensa variedade de almas. Todas as gentes, qualquer que seja a sua raça, a
sua cultura, a sua língua ou os seus costumes, desde que legítimos, cabe na
barca de Pedro. Por isso, graças a Deus, há católicos conservadores e
progressistas, de direita e de esquerda, republicanos e monárquicos,
regionalistas e centralistas, etc.
Se, em política, tudo o que parece é, o mesmo
já não se pode dizer na Igreja. Tal é o caso dos ‘católicos’ adversativos.
Muito embora a designação seja original, a realidade é, infelizmente, do mais
prosaico e corrente: “Eu sou católico, mas...”. E, claro, a seguir a esta
proposição adversativa, seguem não poucos reparos à doutrina cristã. A saber:
eu sou católico, mas creio na reencarnação; eu sou católico, mas defendo o
aborto; eu sou católico mas, não acredito no inferno; eu sou católico, mas sou
a favor da eutanásia; eu sou católico, mas concordo com o casamento entre
pessoas do mesmo sexo; etc., etc., etc.
É verdade que a Igreja acolhe também aqueles
que, por desconhecimento ou por debilidade, não conseguem ainda viver de acordo
com todos os seus preceitos. Ao contrário do que pretendiam os cátaros, a
Igreja não é só dos puros ou dos santos, os únicos que são, de fato, cem por
cento católicos. Com efeito, a Igreja não exclui os néscios, nem os fracos que,
na realidade, somos quase todos nós. Mas não aceita os nossos erros, nem os
nossos pecados, antes impõe que, da parte do crente, haja uma firme decisão de
conversão. Esta é, afinal, a diferença entre o pecador e o fariseu: ambos
pecam, mas enquanto aquele reconhece-o humildemente e procura emendar-se, este
justifica-se e, em vez de mudar de conduta, desautoriza a doutrina em que,
afinal, não crê. O pecador que é sincero no seu propósito de santificação, tem
lugar na comunidade dos crentes, mas não quem intencionalmente nega os
princípios da fé cristã.
Na Igreja há certamente margem para a
diversidade de pontos de vista, também em matérias doutrinais opináveis, mas
não cabe divergência no que respeita aos princípios fundamentais. Um cristão
que, consciente e voluntariamente, dissente de uma proposição de fé definida
pela competente autoridade eclesial, não é simplesmente um católico diferente
ou divergente, mas um fiel infiel, ou seja, um não fiel. Ser ou não ser, eis a
questão. Pode-se ser católico sendo ignorante e até muito pecador, mas não se
pode ser ‘católico’ adversativo, ou seja, negando convictamente a doutrina da
Igreja.
A fé não se afere por uma auto-declaração
abstrata, mas pela opção existencial de seguir Cristo, crendo e agindo de acordo
com os princípios do Evangelho. Não é católico quem afirma que o é, mas quem
pensa e quer viver como tal. “Tu crês que há um só Deus? Fazes bem, no entanto
também os demônios creem e tremem. O homem é justificado pelas obras e não
apenas pela fé. Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fé sem
obras está morta” (Tg 2, 19.24.26).
Padre
Gonçalo Portocarrero de Almada, in ‘Voz da Verdade’ em 2013
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