Alguns momentos e expressões
do Relato da Paixão segundo São Mateus que acabamos de ouvir nos chamam muito a
atenção. O primeiro deles é a pergunta de Judas aos sumos sacerdotes: “O que me
dareis se vos entregar Jesus?” A pergunta do então apóstolo é constrangedora,
como que a dizer: “Eu troco Jesus por alguma coisa, qualquer coisa que queiram
me dar”. Oferecem a ele dinheiro e combinam 30 moedas. Diz o Evangelho que a
partir dali, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus...
Infelizmente ainda vemos cristãos assim: trocam o Senhor por muitas coisas e
até colocam o lucro, o dinheiro, o trabalho acima das coisas de Deus.
Numa outra parte, Jesus diz que seus
apóstolos ficarão decepcionados por causa dele. É verdade até hoje: o caminho
que Cristo nos apresenta não agrada a todos. Muitos se decepcionam porque
acreditam num cristianismo sem dor, sem sofrimento, sem paixão. Creem eles
apenas na prosperidade, na abundância e fogem do Cristo Crucificado, abandonam
Jesus. Como Pedro e os outros discípulos podemos até dizer que não O
abandonaremos, mas como é difícil permanecer fiel no momento de provação! Pedro
e quase todos os apóstolos tombaram, menos São João. E nós? Também vamos deixar
Jesus no momento difícil da vida? Vamos nos decepcionar com Ele?
Ao subir o Getsêmani, Jesus sofreu uma
terrível tentação. Ele sabia que seria abandonado pelos amigos, rejeitado por
parentes, condenado pelas autoridades e morto de forma bárbara. Neste momento
passa no jardim por uma profunda tristeza e angústia. Que cena espantosa,
irmãos! Jesus, o Filho de Deus, quis passar pela tristeza, passar pela
angústia. Ele tanto se sentiu mal que chegou a dizer: “Minha alma está triste
até a morte”... Imaginem: Jesus se deixou invadir pelos piores sentimentos
humanos de pavor e depressão. Quantos sofrem hoje também da tristeza que mata,
da angústia que causa a aridez e o desânimo; quantos são os que sofrem as dores
de uma morte. Cristo está lá, padecendo tudo isso e nos deixando um modelo de
superação. Ele está aqui, ao seu lado, ao meu lado para nos ajudar em nossas
piores agonias!
Normalmente o jardim é o lugar de descanso,
aprazível. Existem flores, bom odor e paz. O jardim de Jesus não; ao invés disso
teve suor de sangue, dor, angústia, depressão e um beijo falso. Queremos um
jardim diferente daquele do Senhor, rejeitamos a sua vida na nossa vida, a sua
cruz na nossa cruz... Traição, abandono, crueldade tudo isso Nosso Senhor
sofreu. Tudo com um único intuito: dar glória a Deus e demonstrar amor a todos
os homens. Quanto hoje sofremos para amar de verdade? Como demonstramos nosso
amor?
Outro momento interessante é o de Pedro.
Antes promete fidelidade a Jesus e noutra diz que não o conhece... Essa é uma
realidade na nossa vida cristã: podemos até estar na Igreja, podemos mesmo
servir em pastorais e movimentos, mas ainda assim, publicamente não testemunhar
o Senhor na vida, no meio da sociedade, diante de todos. Sem adesão aos planos
de Deus, sem uma comunhão de fé e de amor pelos sacramentos, sem uma busca de
vida nova, não conseguiremos seguir os passos do Senhor de perto.
O
seguimento a Jesus não é um seguimento meramente afetivo, sentimental, mas
amoroso em seu sentido pleno. Quem segue a Jesus por gostos e conveniências,
por meras emoções ou achando que a Igreja é um clube social de amigos com algo
comum, se engana, se decepciona e logo abandonará o Cristo e sua Igreja. Não
seguimos o Senhor por títulos, cargos ou outras humanidades; isso é a lógica do
mundo! Jesus não nos engana, nos disse que ser seu discípulo seria uma obra
difícil e comprometedora: “Vigiai e rezai, para não entrardes em tentação. O
espírito está pronto, mas a carne é fraca”. Se não estivermos unidos a Jesus
por sua Igreja e por seus sacramentos, podem estar certos de que não teremos
força suficiente para vencermos as fraquezas da alma e do corpo humano. Pensamos
muitas vezes em Deus como Aquele Rei triunfante que vai vencer os romanos e dar
liberdade à Terra de Israel, como pensavam os judeus, isto é, pensamos a Deus
como um “fazedor de milagres”, um taumaturgo, Aquele que me dará o que quero,
que me concederá um bom padrão de vida, uma existência sem sofrimento ou sem
dor, um paraíso terrestre no qual nossa vida seria só felicidade e prazer... No
entanto, neste sentido, o Senhor nos desaponta; porque não faz as nossas
vontades, nem nos dá uma vida sem dores ou sofrimentos, nem uma existência
sempre prazerosa e feliz, mas simplesmente uma vida, digna de ser vivida e
consumida por amor e para amar, como a d’Ele.
Agora podemos, com
mais autoridade, entrelaçar o primeiro Evangelho lido, antes da procissão de
Ramos e este que acabamos de ouvir: A vida cristã não é só maravilha da graça,
felicidade sem limites e alegria eterna, mas sofrimento e dor, tensão entre o
viver e o morrer, entre o servir ao verdadeiro Senhor ou aos ídolos fabricados
por nós mesmos. Quão efêmera, quão infantil é, por vezes, nossa fé; cremos não
porque é o Senhor, mas cremos porque estamos interessados nas benesses do seu
reino, naquilo que podemos obter de Deus. Fé interesseira, falsa e vazia.
Estejamos atentos: os
ramos verdes murcharão rapidamente! A euforia da presença de Deus passará. O
“Hosana” entusiasmado se transformará logo num grito furioso e cruel:
“crucifica-o, crucifica-o”. Os votos de acolhida, “bendito o que vem em nome
do Senhor”, poderão rapidamente dar lugar a um covarde brado: “Fora com
Ele, solta-nos Barrabás”.
Por que essa mudança
tão repentina? Por que a multidão gritou diferente? Por que a vontade do povo
se transformou de uma hora para outra? Por que Deus foi traído e abandonado? A
resposta é que na vida de Cristo e, por conseguinte, na vida do cristão,
“exaltação” e “humilhação” estão sempre conjugadas e é fácil ser fiel e
manter-se alegre na exultação, mas é bem difícil e desafiador manter a
serenidade e a fé nos momentos de dor, de humilhação. Precisamente porque não
vigiamos nem oramos como convém, é que nos entregamos, com facilidade, à
inconstância, à perversidade e à imprevisibilidade: somos capazes do
maravilhoso e do belo e somos também capazes do terrível e do feio.
Diante de tudo isso, o que pensar? O maior
gesto e o maior sentimento que se sobressai aqui, não é o pecado dos homens. Seja
a traição de Pedro, a covardia dos Apóstolos ou a maldade da multidão, não é a
conivência com o mal de Herodes e Pilatos ou o desespero de Judas, mas o que realmente
se impõe como o maior dos gestos, é o amor de Deus: só um infinito e belo amor
pode explicar as desconcertantes humilhações e loucuras do Filho de Deus.
Caríssimos, ao
entrarmos em Jerusalém com Cristo, nesta Semana Santa, acompanhemos não somente
seus últimos passos históricos entre nós, mas sobretudo imitemos seu amor
autêntico e perseverante. Um amor que se dá até doer, sem voltar atrás, sem
diminuir ou sem exigir nada. A Paixão de Jesus possa nos dar conforto na dor,
força na caminhada e esperança para o futuro. Que a Virgem Santíssima, mulher
da dor e do amor, interceda por nós e nos ajude a acolher na pequena ou grande
Jerusalém do nosso coração, o Rei que deseja entrar. Amém.
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