Houve
outrora, no berço do cristianismo, em Roma, uma disputa muito viva sobre a fé e
as obras. Uns diziam: a fé é suficiente; outros: as obras, as obras, é o
necessário! Se um belo dia estivéssemos no jardim de sua casa e submetêssemos a
seus filhos uma pergunta análoga: meninos, digam o que acham, o que é mais
necessário: as maçãs ou a macieira? Os meninos certamente nos diriam que bastam
as maçãs. Mas os mais velhos, compreendendo que sem as macieiras não haveria
maçãs, responderiam: o que é preciso são as macieiras com as maçãs. E com
efeito, é impossível haver maçãs sem macieiras, e macieiras sem maçãs são
inúteis.
Deixando o apólogo, diremos que a fé é a
árvore indispensável para haver os frutos da salvação e que os frutos que se
pode colher sem a fé, não serão frutos de salvação. São Gregório Magno disse
numa palavra: Nec fides sine operibus, nec opera adjuvant sine fide. Quer
dizer: A fé sem as obras ou as obras sem a fé, de nada valem.
A fé é, para o cristão, a raiz da salvação e
de toda obra que leva à salvação. A santa esperança e a caridade divina vêm dar
ao fruto ou à obra o gosto, o sabor, a doçura, o mérito; mas sem a fé não há
mérito, nem doçura, nem sabor, nem gosto, nem fruto, nem obra que seja útil à
salvação. Guarde bem esse primeiro princípio. Eis um outro que deste decorre
incontestavelmente: a medida da fé é a medida do mérito da obra. Sei bem que a
última palavra, o mérito do cristão, pertence à caridade; mas a caridade é
filha da fé, filha que pode crescer com sua mãe de modo que, no final das
contas, o cristão deve ter a fé como medida de todas as coisas. Nosso Senhor
dizia com este pensamento: “Vossa fé vos salvou!”.
Isto posto, vamos dar uma volta por esse
mundo e procurar um pouco por onde anda a fé, onde estão as obras, filhas da
fé. E para começar, já notou muitas vezes, que nosso século é o século das
obras? Nunca, nunca se viu surgir tantas obras, com tal exuberância. Mas será
na mesma proporção um século de fé? Ai de nós! É preciso que se diga quanto a
fé é rara em nossos dias. De uma árvore singularmente enfraquecida, vemos
surgir uma quantidade de frutos que nos encantariam se pudéssemos esquecer o
estado de sua alma. As obras surgem e crescem sempre, e ao mesmo tempo somos
obrigados a convir que a fé está morrendo. Não haverá nisto uma espécie de
contradição? A contradição é apenas aparente. As obras da salvação, dissemos,
nascem da fé; mas as obras que se parecem com as obras da salvação, podem
nascer de um outro princípio que não seja a fé.
E então que dizer? De duas uma: ou as obras
nascidas de um princípio que não é a fé serão úteis para outra coisa que não as
almas, e assim não terão nada a ver com Deus; ou essas obras não subsistirão e
perecerão. Nascidos de outro princípio que não seja a fé, criações da
inteligência ou da imaginação, as obras que não são alimentadas pelo suco
vivificante da fé, o único que vivifica, vivem da habilidade do homem ou de seu
dinheiro ou de seu crédito. Essas obras não salvam os homens e são, diante de
Deus, árvores estéreis; o tempo virá com seu machado para abatê-las, não
faltará.
A Igreja, que é obra de Deus, permanece e
permanecerá porque guarda e guardará a fé. Nós, filhos de Deus e da Igreja só
permanecemos e permaneceremos, nós e nossas obras, na medida de nossa fé. Se
todas as obras que hoje pululam em volta de nós tivessem tanto ardor em
vivificar a árvore da fé quanto para produzir frutos, certamente veríamos
maravilhas. Mas infelizmente, falta a fé e não falta quem queira recolher os
frutos da fé antes de havê-la semeado. Neste sentido, caminha-se a passos
largos, porém à margem do caminho.
Fonte:
Cartas sobre a Fé – Pe Emmanuel Andrè
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