Decorre
todo o mês de Março como tempo quaresmal, pelo que devemos dar à Paixão e Morte
de Nosso Senhor Jesus Cristo a relevância que ela tem para a nossa salvação. É
preciso saber encarar o sofrimento do nosso Mestre como uma grande manifestação
de Amor por todos e cada um de nós. Pode parecer-nos exagerado o grau de
sacrifício a que Ele Se entregou de forma voluntária. Não teria Deus outros
processos mais sadios para nos voltar a dar o Céu, perdido irremediavelmente
com o pecado original dos nossos primeiros pais?
A resposta a esta questão é positiva. Deus
não se encontra limitado por nada quando quer obter um objetivo. Ele é onipotente,
pelo que bastaria um impulso da sua vontade para nos garantir a nossa salvação.
No entanto, em todos os gestos e atitudes de Deus para conosco há sempre uma
intenção educadora. Não esqueçamos que Ele é Pai e é dever de um pai proceder
para com os seus filhos, de modo a que eles entendam, tanto quanto lhes for
possível, aquilo que ele lhes propõe.
Cresceu normalmente, entregue aos cuidados
dos seus pais, que Lhe ensinaram o que um casal de judeus, santo e
irrepreensível, costumava dar aos seus filhos. Assim se desenvolveu, aprendendo
com o exemplo santificante de Maria e de José, a amar a vontade de Deus e os
outros, sobretudo aqueles que Lhe eram mais próximos. Não chama a atenção e,
salvo um pequeno episódio mais inusitado no templo de Jerusalém quando ali vai
no início de sua adolescência, ninguém diria que Ele era o Messias prometido
desde os primórdios da humanidade pelo seu Pai. Só por inspiração divina alguns
O reconhecem como uma criança especial: João Batista no ventre de sua mãe, os
pastores que vão ao presépio, o velho Simeão e Ana na sua apresentação no
Templo, os Magos que vêm de longes terras. No início da sua vida pública,
conhecem-no como o "filho do carpinteiro" e surpreendem-se com a
autoridade com que fala e expõe a sua mensagem.
Jesus não é, portanto, um E.T., mas um
simples aldeão da Galileia. Com a particularidade de que conta histórias
encantadoras – as parábolas tão pedagógicas – e, sempre com reserva e
comedimento, faz milagres espantosos, que revelam da sua parte um poder divino.
Até tem a ousadia de perdoar os pecados em nome pessoal – capacidade que só
Deus possui! A sua normalidade choca. Em breve ganha profundos inimigos e
grandes seguidores. Alguns destes são mesmo capazes de abandonar tudo para O
acompanhar nas suas caminhadas evangelizadoras. Sem uma queixa, ciente de que está
a cumprir um mandato de Deus, Seu Pai, Jesus deixa-Se conduzir até ao lugar da
execução, onde é crucificado juntamente com dois malfeitores. Reza
intensamente, pede perdão ao Pai pelos autores da sua condenação à morte,
converte um dos companheiros de suplício e desprende-Se até do ser que mais
amava nesta terra, a sua Mãe, pedindo-lhe para assumir a nossa maternidade
espiritual, que ela aceita na pessoa do discípulo predileto do seu Filho, João.
Com a consciência de que cumpriu até ao fim a
tarefa que Deus Lhe tinha pedido, Jesus morre, dizendo: "Tudo está
consumado". O seu sacrifício tem um valor infinito, porque é o de uma
Pessoa divina que Se fez Homem. Redimiu-nos, isto é, obteve para nós o perdão
dos nossos pecados, incluindo o da má herança recebida pelo que foi cometido
por Adão e Eva nos primórdios do gênero humano. Voltamos a receber a graça de
Deus e, com ela, a filiação divina, que nos torna herdeiros do Céu.
Continuamos a não entender o sofrimento de
Jesus? Parece-nos um exagero? Pensemos que no Coração de Cristo, manso e
humilde, palpita o Amor de Deus. E que este, por ser perfeito, tem contornos
que nos serão sempre misteriosos. Se nos admiramos tantas vezes com os
requintes do amor de uma mãe pelos seus filhos, quanto mais não teremos de
render o juízo perante o Amor infinito do nosso Deus.
Fonte: Adaptação do texto do Pe.
Rui Rosas da Silva – Prior da Paróquia de Nossa Senhora da Porta Céu, em
Lisboa, in Boletim Paroquial de Março de 2009.
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