I.
Os trabalhos que mais afligem nesta vida às almas amantes de Deus, não são
tanto a pobreza, a enfermidade e as perseguições, como as tentações e as
securas espirituais. Quando a alma goza da amorosa presença de Deus, todas as
tribulações, em vez de a afligirem, mais a consolam, fornecendo-lhe a ocasião
para oferecer a Deus algum penhor de seu amor. Mas ver-se pela tentação em perigo
de perder a graça divina e temer na secura que já a perdeu, é isso uma pena
demasiado amarga para quem ama deveras a Deus.
Observemos, porém que é esta a sorte comum
das almas santas: Quia acceptus eras Deo, necesse fuit, ut tentatio
probaret te (1) — “Porque eras aceito de Deus, por isso foi necessário que
a tentação te provasse”. Quem foi mais santo do que Jesus Cristo? Todavia ele foi levado pelo
espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo. Em primeiro lugar, foi tentado
de gula, porque “tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, teve fome. E
chegando-se a Ele o tentador, disse: Se és Filho de Deus, dize que estas pedras
se convertam em pães.”
Depois foi tentado de presunção, porque “o
diabo o transportou à cidade santa e O pôs sobre o pináculo do templo e Lhe
disse: Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, porque está escrito:
Recomendou-te aos seus anjos, e eles te levarão nas palmas das mãos, a fim de
que nem sequer tropeces numa pedra.” Finalmente foi tentado de idolatria;
porque o diabo, vendo-se vencido uma outra vez, “o transportou ainda a um monte
muito alto, e mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e Lhe
disse: Todas estas coisas te darei, se prostrado me adorares.” Uma alma, pois,
por se ver tentada, não deve ainda temer como se já tivesse caído no desagrado
de Deus, que a quer tornar mais semelhante a seu Filho unigênito e dar-lhe
ocasião para adquirir grandes méritos para o céu. Quoties vincimus, toties
coronamur — “Cada vitória é uma nova coroa”, diz São Bernardo.
II.
Os meios de que nos devemos servir para vencer as tentações são os mesmos que nosso
divino Redentor nos ensina com o seu exemplo no Evangelho de hoje. — Cum
ieiunasset quadraginta diebus – Jesus jejuou quarenta dias. Para vencermos
todas as tentações, e em particular a dos sentidos, é mister que nós também,
especialmente neste tempo de Quaresma, mortifiquemos a carne pelo jejum, pela
penitência, e pelo recolhimento, e que ao mesmo tempo avigoremos o espírito com
meditações e orações, porque não só de pão vive o homem, mas de toda a
palavra que sai da boca de Deus.
Non tentabis Dominum Deum tuum — “Não
tentarás ao Senhor teu Deus”. Para vencermos as tentações, devemos em segundo
lugar evitar as ocasiões de pecado. Aqueles que se expõem voluntariamente aos
perigos e não pretendem cair, tentam Deus para fazer milagres. A custódia dos
anjos, diz São Bernardo, é prometida a quem caminha nos caminhos de
Deus, viis suis, e não àquele que se expõe voluntariamente ao perigo de
cair num abismo. — Vade, Satana – “Vai-te, Satanás”.
Finalmente o terceiro meio para sairmos
vencedores, consiste em expulsarmos o demônio inteiramente de nossa alma e em
estarmos resolvidos a adorar a Deus nosso Senhor, e servi-Lo a Ele só. Ó!
Quantos há que não cuidam em refrear as suas paixões nascentes e que imaginam
poder servir a dois senhores. Mas depois, ao primeiro assalto mais forte de
qualquer tentação, acabam por cair e perder-se eternamente!
Ó meu amabilíssimo Jesus, vejo que no passado
caí e recaí tão miseravelmente, porque me descuidei de imitar os vossos divinos
exemplos. Arrependo-me de todo o coração; peço-Vos perdão e prometo que para o
futuro serei mais cuidadoso. Mas fortalecei a minha fraqueza. Eu Vo-lo peço
pela mortificação que praticastes, abstendo-Vos por quarenta dias de toda a
alimentação, e pela humildade que mostrastes, permitindo ao demônio que Vos
tentasse como a qualquer outro filho de Adão. “Ó Deus, que purificais a vossa
Igreja com a anual abstinência quaresmal: concedei à vossa família, que com
boas obras execute o que de Vós deseja obter com a sua abstinência.” (2)
—————
1. Tob. 12, 13.
2. Or. Dom. curr.
(LIGÓRIO,
Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde
o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder
& Cia, 1921, p. 298 – 300.)
Fonte: São Pio V
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