A
piedade é uma doce e santa disposição que Nosso Senhor Jesus Cristo coloca em
nosso coração e que nos leva a amar a Deus como um Pai [1], e todos os
homens como irmãos. A piedade cristã é o amor filial pelo bom Deus e o amor
fraterno pelos homens. Jesus, Filho de Deus e irmão dos homens, torna, pela
piedade, os nossos corações semelhantes ao seu. Como todas as graças, a
piedade é um dom de Deus, um dom gratuito e sobrenatural, fruto dos méritos da
Redenção, e derramado em nossas almas pelo Espírito Santo [2].
Santo Agostinho a chama de “o culto
verdadeiro do Deus verdadeiro [3]. Culto de amor e não de temor [4]. Culto
do verdadeiro Deus vivo, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo e nosso Pai bem-amado
[5]“. A piedade cristã não é somente o culto que prestamos a Deus como nosso
soberano Senhor. Ela é, ademais, e, sobretudo, o culto de obediência filial, de
ternura filial que lhe rendemos como nosso verdadeiro Pai. Ora, Deus só é
nosso Pai em Jesus Cristo e por Jesus Cristo. Fazendo-se nosso irmão pelo
mistério da Encarnação e nos incorporando em si pelo duplo mistério da graça e
da Igreja, Jesus nos dá por Pai seu próprio Pai.
Contudo, ao mesmo tempo, por esse mistério de
misericórdia e de união, Jesus Cristo reúne todos os homens em uma única
família espiritual e os torna assim verdadeiramente irmãos uns dos outros.
Nele, com ele e por ele, amamos os homens como nossos irmãos, com o mesmo amor
cujo amamos a Deus como nosso Pai. A piedade, sendo nada mais do que esse amor
cristão por Deus, contém essencialmente por isso mesmo o amor fraterno pelos
homens. Outrossim o Salvador diz em seu Evangelho que o mandamento do amor ao
próximo é semelhante ao mandamento do amor a Deus [6]. A piedade se divide
assim em dois amores distintos, porém inseparavelmente unidos: o amor filial de
Deus e o amor fraterno do próximo.
Como uma fonte donde jorram ao mesmo tempo
dois regatos de uma vaga puríssima que unem suas águas e fertilizam assim a
pradaria na qual elas serpenteiam, o coração de Jesus deixa correr em nossos
corações fiéis um duplo regato de água viva que fecunda nossa alma e jorra até
a vida eterna. Não devemos separa o que Jesus uniu no mistério da piedade
cristã. E devemos sempre ter diante de nossos olhos a grande regra que São
Pedro dava outrora aos nossos pais: “Esforçai-vos quanto possível por
unir… à piedade o amor fraterno, sem isso, o conhecimento de Nosso Senhor
Jesus Cristo vos deixará inativos e infrutíferos” (II Pe 1).
OEuvres
de Mgr de Ségur. Tomo XII, La piété et la vie intérieure. Tradução de Robson
Carvalho. Paris, Tolra, 1893, p.9-11.
__________
[1]
Sum. Theol. 22e., quaest. CXXI.
[2]
Ven. Card. Bellarm., conc. X, de Nativ. Dom.
[3]
Epist. CLV.
[4]
Epist. CLX.
[5]
Ev. Joan, XX.
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