No
centro da cena, está o “poço de Jacó”. À volta do “poço” movimentam-se as
personagens principais: Jesus e a samaritana. A mulher (aqui apresentada sem
nome próprio) representa a Samaria, que procura desesperadamente a água que é
capaz de matar a sua sede de vida plena. Jesus vai ao encontro da “mulher”.
Haverá neste episódio uma referência ao Deus/esposo que vai ao encontro do
povo/esposa infiel para lhe fazer descobrir o amor verdadeiro? Tudo indica que
sim (aliás, o profeta Oseias, o grande inventor desta imagem matrimonial para
representar a relação Deus/Povo, pregou aqui, na Samaria).
O “poço” representa a Lei, o sistema
religioso à volta do qual se consubstanciava a experiência religiosa dos
samaritanos. Era nesse “poço” que os samaritanos procuravam a água da vida
plena. No entanto: o “poço” da Lei correspondia à sede de vida daqueles que o
procuravam? Não. Os próprios samaritanos tinham reconhecido a insuficiência do
“poço” da Lei e haviam buscado a vida plena noutras propostas religiosas (por
isso, Jesus faz referência aos “cinco maridos” que a mulher já teve: há aqui,
provavelmente, uma alusão aos cinco deuses dos samaritanos de que se fala em 2
Re 17,29-41).
Estamos, pois, diante de um quadro que
representa a busca da vida plena. Onde encontrar essa vida? Na Lei? Noutros
deuses? A mulher/Samaria dá conta da falência dessas “ofertas” de vida: elas
podem “matar a sede” por curtos instantes; mas quem procura a resposta para a
sua realização plena nessas propostas voltará a ter sede. É aqui que entra a
novidade de Jesus. Ele senta-se “junto do poço”, como se pretendesse ocupar o
seu lugar; e propõe à mulher/Samaria uma “água viva”, que matará
definitivamente a sua sede de vida eterna (vers. 10-14). Jesus passa a ser o
“novo poço”, onde todos os que têm sede de vida plena encontrarão resposta para
a sua sede.
Qual é a água que Jesus tem para oferecer? É
a “água do Espírito” que, no Evangelho de João, é o grande dom de Jesus. Na
conversa com Nicodemos, Jesus já havia avisado que “quem não nascer da água e
do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” – Jo 3,5; e quando Jesus se
apresenta como a “água viva” que matará a sede do homem, João tem o cuidado de
explicar que Ele se referia ao Espírito, que iam receber aqueles que acreditassem
n’Ele (cf. Jo 7,37-39). Esse Espírito, uma vez acolhido no coração do homem,
transforma-o, renova-o e torna-o capaz de amar Deus e os outros. Como é que a
mulher/Samaria responde ao dom de Jesus? Inicialmente, ela fica confusa. Parece
disposta a remediar a situação de falência de felicidade que caracteriza a sua
vida, mas ainda não sabe bem como: essa vida plena que Jesus está a propor-lhe
significa que a Samaria deve abandonar a sua especificidade religiosa e ceder
às pretensões religiosas dos judeus, para quem o verdadeiro encontro com Deus
só pode acontecer no Templo de Jerusalém e na instituição religiosa judaica
(“nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que é em Jerusalém que se
deve adorar”)?
No entanto, Jesus nega que se trate de
escolher entre o caminho dos judeus e o caminho dos samaritanos. Não é no
Templo de pedra de Jerusalém ou no Templo de pedra do monte Garizim que Deus
está… O que se trata é de acolher a novidade do próprio Jesus, aderir a Ele e
aceitar a sua proposta de vida (isto é, aceitar o Espírito que Ele quer
comunicar a todos os homens). Dessa forma – e só dessa forma – desaparecerá a
barreira de inimizade que separa os povos – judeus e samaritanos. A única coisa
que passa a contar é a vida do Espírito que encherá o coração de todos, que a
todos ensinará o amor a Deus e aos outros e que fará de todos – sem distinção
de raças ou de perspectivas religiosas – uma família de irmãos.
A mulher/Samaria responde à proposta de Jesus
abandonando o cântaro (agora inútil), e correndo a anunciar aos habitantes da
cidade o desafio que Jesus lhe faz. O texto refere, ainda, a adesão
entusiástica de todos os que tomam conhecimento da proposta de Jesus e a
“confissão da fé”: Jesus é reconhecido como “o salvador do mundo” – isto é,
como Aquele que dá ao homem a vida plena e definitiva (vers. 28-41). O nosso
texto define, portanto, a missão de Jesus: comunicar ao homem o Espírito que dá
vida. O Espírito que Jesus tem para oferecer desenvolve e fecunda o coração do
homem, dando-lhe a capacidade de amar sem medida. Eleva, assim, esses homens
que buscam a vida plena e definitiva à categoria de Homens Novos, filhos de
Deus que fazem as obras de Deus. Do dom de Jesus nasce a nova comunidade.
Fonte:
Portal Dehonianos
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