Testemunhar e anunciar a mensagem cristã, conformando-se com Jesus Cristo. Proclamar a misericórdia de Deus e suas maravilhas a todos os homens.

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quinta-feira, 27 de março de 2014

A origem dos apoftegmas e algumas dessas sentenças


  Quando Constantino em 313 concedeu aos seus súditos a liberdade religiosa, ele garantiu aos cristãos um tempo de paz depois de muita perseguição. A Igreja passa da situação de perseguida para um certo status de “religião proeminente”, principalmente pela relação e influência da mãe do imperador, a imperatriz Helena, mais tarde considerada santa pelos cristãos.

  Os mártires já não existem. A forma de demonstrar amor até as últimas consequências a Cristo já não existe. Os cristãos que antes não tinham direito algum agora passam a existirem, a serem vistos e adulados. Isto significava, evidentemente, entregar o cristianismo a um perigo mortal: “o pacto com o mundo e suas seduções”.

  Enquanto os cristãos de Alexandria, de Constantinopla, de Roma, regressavam à normalidade dos dias e dos direitos, alguns ascetas, aterrados com esse possível pacto, fugiam correndo, para se embrenharem nos desertos da Cétia e da Nitria, da Palestina e da Síria. Embrenhavam-se num radical silêncio que só alguns dos seus ditos conseguiram romper, sinais dirigidos a um céu insondável. O martírio de sangue dá lugar ao “martírio branco”, isto é, ao martírio da vontade, onde não se luta mais contra os maus deste mundo, mas contra o próprio mal dentro de nós (concupiscência) e fora de nós (o Diabo).

  O monaquismo surge como proposta de luta contra o mal e de testemunho ao mundo, da mensagem de Jesus Cristo. O asceta será aquele que viverá de maneira radical o seu batismo e dele falará ao mundo mais por obras que por palavras. Homens e mulheres vão ao deserto não tanto para fugirem do mundo, mas para enfrentarem seus maiores desafios. Esses mestres cristãos do deserto floresceram, explodiram num ápice que durou três séculos, do III ao VI depois de Cristo.

  Os ditos e feitos dos Padres — lógoi kai erga — foram recolhidos em todos os tempos com extrema piedade, porque eram quase sempre nozes duríssimas, intragáveis, por trazerem em si a totalidade da vida, impossíveis de partir com os dentes, como nas fábulas, no instante do perigo extremo, e além disso os Padres, na maior parte das vezes, recusavam-se a escrevê-los. São os chamados “apoftegmas”, “sentenças”, “ditos”, “aforismos” dos Padres do Deserto. A partir da vivência, os santos homens e as santas mulheres nos deixaram um manancial de sabedoria, disciplina, espiritualidade e o testemunho de uma fá autêntica.

  Os apoftegmas são, em sua maioria, pequenas histórias ou mesmo, frases de sabedoria dos Padres do Deserto. Também existem histórias mais longas, como que “biografias de santos” para servirem de edificação para os cristãos. O esquema geral de um apoftegma costuma ser “pergunta e resposta” ou só “a palavra do ancião”, do Abba ou da Amma. Muito conhecidos no meio monástico, os Ditos dos Padres do Deserto atravessaram os séculos e as paredes dos mosteiros. Acessível a todos hoje, esta sabedoria é a mais simples “psicologia aplicada” e também a mais pura espiritualidade, isto é, a reflexão de uma vida segundo o Espírito de Deus. 

  Vamos apresentar alguns apoftegmas:

1. “Tendo um grande anacoreta perguntado: ‘Satã, por que me combates assim?’, escutou Satã lhe responder: ‘És tu que me combates com toda força’” (Santo Antão).

2. “A origem do fruto é a flor e a origem da vida ativa é a moderação; quem domina o próprio estômago, diminui as paixões; pelo contrário, quem é subjugado pela comida, aumenta os prazeres. Assim como Amalec é a origem dos povos, também a gula é a origem das paixões. Assim como a lenha é alimento do fogo, a comida é o alimento do estômago. Muita lenha proporciona uma grande chama e a abundância da comida nutre a concupiscência. A chama se extingue quando há menos lenha e a miséria de comida apaga a concupiscência”. (Evágrio Pôntico).

3. Abba Poemén disse de Abba João, o Anão, que ele tinha rezado a Deus para que retirasse para longe dele as paixões, de modo que ele ficasse livre de preocupações. Então ele foi contar ao ancião isto; “encontro-me em paz, sem nenhum inimigo”. O ancião lhe disse, “vá, implore a Deus que lhe envie as lutas de modo que você recupere a aflição e humildade que você possuía, pois é pela luta que as almas progridem.” Então, ele implorou a Deus e quando as batalhas vieram ele não mais rezou que elas fossem afastadas, mas disse, “Senhor, dai-me força para a luta.”

4. Um irmão interrogou o abade Agatão: “Tenho uma ordem a executar, mas num sítio onde terei de pelejar bastante. Quero ir para obedecer, mas temo a guerra”. Respondeu-lhe o ancião: “Em teu lugar Agatão cumpriria a ordem e ganharia a guerra”.

5. Um irmão, que vivia como anacoreta, estava turbado. Ele foi até a morada do abade Teodoro de Farméia e lhe declarou sua inquietação. Disse-lhe o ancião: “Vai, conserva a alma na humildade, sê submisso aos outros e vive com eles”. Ele partiu para a montanha e foi viver com outros.
  Depois retornou ao ancião e lhe disse: “Não encontrei o repouso vivendo entre os homens”. Disse-lhe o ancião: “Se não encontras repouso nem na solidão, nem na companhia dos irmãos, por que vieste a ser monge? Não fora para suportar penas? Mas dize-me: há quanto tempo vestes o hábito?” – “Oito anos”, respondeu ele. Replicou o ancião: “Crê em mim, eis que o visto há sessenta anos e não houve um dia de repouso para mim, enquanto que tu o queres após oito anos?” Ao escutar isso partiu reconfortado.

6. “Quem não for edificado pelo meu silêncio, não será edificado pela minha fala”. (Abba Teófilo, o Arcebispo)

7. “Pusemos de um lado a carga leve da autocrítica, e carregamo-nos do grande peso que é a auto-justificação” (João, o Anão).

8. Um irmão que morava com outros irmãos, perguntou ao Abba Bessarião: "Que hei de fazer?" Respondeu-lhe o ancião: "cala-te, e não te compares com outros".

9. Amma Sinclética disse "Há muitos que vivem nas montanhas e se comportam como se eles estivessem na cidade; eles estão esperando seu tempo. É possível serem solitários em sua mente enquanto vivem em uma multidão; e é possível para aqueles que são solitários viver em meio a multidão de seus próprios pensamentos."

10. Amma Teodora disse que nem o ascetismo, nem vigílias, nem qualquer tipo de sofrimento são capazes de salvar. Apenas a verdadeira humildade pode fazer isso. Havia quem fosse capaz de banir os demônios. E ele perguntou- lhes: "O que faz vocês irem embora? É o jejum?" Eles responderam: "Nós não comemos ou bebemos." "São as vigílias?". Eles responderam: "Nós não dormimos." "Então o que pode mandá-los embora?". Eles responderam: "Nada pode superar a nós, exceto a humildade". Amma Teodora disse: "Você vê como a humildade é vitoriosa sobre os demônios?".

11. “Tenho sofrido horrorosamente, mas isto o que importa para quem combate sob o estandarte de Cristo? Imputaram-me um crime infamante, mas sei ir ao reino dos Céus tanto pela infâmia quanto pela boa fama”. (Amma Paula).

12. “Deus me é testemunha de que não faço nada senão pelo seu nome, e que só tenho um desejo: morrer na miséria e ser enterrada em um lençol emprestado”. (Santa Paula do deserto).


13. “Tudo não convém a todos. Cada qual deve se conhecer bem para escolher bem. Para umas a vida em uma comunidade é boa, para outras é melhor viver só. Há plantas que se dão bem numa terra úmida. Há outras que se dão bem numa terra seca. Acontece o mesmo com os seres humanos”. (Amma Sinclética).

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