Infelizmente, a grande
maioria dos cristãos desconhece o significado do Dia do Senhor, o chamado
Domingo. Pois bem, aproveitando ainda o tempo pascal, é conveniente uma
reflexão sobre o sentido deste dia tão importante, Páscoa semanal, na qual
celebramos a ressurreição do Senhor, sua vitória sobre a morte e causa de nossa
vida.
É controvertida a origem do domingo cristão.
Uma das teses mais aceitas e mais fundadas é a seguinte: os primeiros cristãos
reuniam-se para a Eucaristia no domingo ao anoitecer (cf. At 20,7; Plínio, o
Jovem, Ep. X,96,7), em continuidade com as aparições de Cristo na tarde da
Páscoa (cf. Jo 20,19) e no domingo sucessivo (cf. Jo 20,26)[1], em continuidade com as refeições que
Cristo ressuscitado tomou com seus discípulos (cf. Lc 24,30.41-43; At 3,1,3s).
Inicialmente a Eucaristia dominical era
celebrada no contexto de uma ceia completa (cf. 1Cor 11,25; Didaqué 10,1;
Plínio, o Jovem, Ep. X,96,7), possuindo sobretudo um caráter escatológico: o
Senhor ressuscitado aí estava presente, de modo que a celebração era já
antegozo da sua Parusia. Além desta ceia, ao que parece, já muito cedo, havia
também uma celebração antes da aurora, testemunhada pela primeira vez por
Plínio, o jovem. Tal celebração era relacionada com o batismo. Quando a
celebração vespertina foi abolida pelas restrições do Império, os cristãos
passaram a celebrar a Eucaristia somente na madrugada, antes da aurora. É esta
a situação testemunhada por Justino na sua Apologia.
O Domingo era denominado de modo vário,
exprimindo seu significado para os cristãos:
Dia
do Senhor. O primeiro testemunho desta designação encontra-se em
Ap 1,10. Dia do Senhor é uma fórmula análoga à Ceia do Senhor. O Domingo é o
dia que recorda o Senhor, sobretudo porque nele se celebra a Ceia do Senhor.
Todos os cristãos devem celebrá-lo participando da Sinaxe eucarística, ainda
que correndo perigo de vida! O domingo era quase exclusivamente o único dia da
celebração eucarística, de modo que não se concebia um sem o outro.
Oitavo
Dia.
Na semana de sete dias, o Oitavo é o dia sem fim, o dia escatológico, prenúncio
do Dia eterno da Parusia. Assim, o Oitavo Dia transcende o tempo dos homens,
transcende a semana e nos abre já um antegozo da eternidade. É, portanto, o Dia
prometido pelos profetas, dia da plenitude do Espírito, da sua efusão sobre
toda a carne. Portanto, dia do batismo.
Primeiro
Dia.
João fala em “primeiro dia depois do sábado” (Oushz oun oyiaz th hmera eceinh
th mia sabbatwn...). Sábado que significa a antiga criação, a antiga aliança,
agora superadas pela nova realidade do Ressuscitado! A tradição judaica já
chamava este dia de primeiro dia, dia da criação da luz, dia do sol.
Aos poucos, iniciou-se a tendência de fazer
do domingo um sábado cristão! Este passo foi efetivado depois que Constantino
Magno, em 321, proclamou o domingo como dia de repouso obrigatório em todo o
Império. É interessante que, entre os cristãos, inicialmente continuou-se a
trabalhar (cf. S. Jerônimo, Ep. 108,20,3; Paládio, História Lausíaca 59,2;
S. Bento, Regra, 48,22s). Infelizmente, procurou-se fundamentar e motivar
o repouso dominical com o mandamento do sábado. Note-se que ainda hoje
aprendemos erradamente no Catecismo que o segundo mandamento da Lei de Deus é
guardar os domingos e festas! No século VI esta equiparação do domingo ao
sábado já estava plenamente estabelecida. Antes de Constantino um tal passo não
teria sido possível, seja porque não se conhecia um repouso dominical entre os
cristãos, seja porque, sobretudo, os cristãos não consideravam mais o
mandamento do repouso sabático semanal como obrigatório na Nova Aliança e,
portanto, não tinha nada a ver com o domingo cristão.
Atualmente, seria melhor enfatizar a
originária percepção do domingo como dia em que se celebra a Eucaristia pascal.
O repouso, cujo significado ético-social não deve ser diminuído, foi ligado ao
domingo não por querer de Deus, ou seja, não por instituição divina, mas por decreto
imperial... Assim, repouso e domingo não têm, necessariamente que permanecer
interligados para sempre! O que é necessário fazer os cristãos compreenderem
novamente é que o domingo é, por excelência, o dia da Eucaristia: sem ela, não
há domingo[2]: celebra-se o Dia do Senhor participando
da Ceia do Senhor!
[1] Aliás,
segundo bons exegetas, estas aparições joaninas, a cada oito dias, são já
reflexo da práxis litúrgica eclesial, de celebrar o Ressuscitado no Oitavo Dia.
[2] O
Concílio de Elvira, em 321, excluía da comunhão eclesial quem durante três
domingos consecutivos se ausentasse da missa.
Dom Henrique Soares da Costa
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