Amados irmãos e irmãs
No centro da minha
peregrinação a este lugar, onde tudo fala da vida e da santidade de Padre Pio
de Pietrelcina, tenho a alegria de celebrar para vós e convosco a Eucaristia,
mistério que constitui o âmago de toda a sua existência: a origem da sua vocação,
a força do seu testemunho e a consagração do seu sacrifício (...). Há pouco
ouvimos o Evangelho da tempestade acalmada, que foi acompanhado de um texto
breve mas incisivo do Livro de Jó, em que Deus se revela como o Senhor do mar.
Jesus ameaça o vento e ordena ao mar que se acalme, interpelando-o como se ele
se identificasse com o poder diabólico. Com efeito, segundo o que nos dizem a
primeira Leitura e o Salmo 106 [107], na Bíblia o mar é considerado um elemento
ameaçador, caótico e potencialmente destruidor, que somente Deus, o Criador,
pode dominar, governar e acalmar.
Porém, existe uma outra força uma força
positiva que move o mundo, capaz de transformar e renovar as criaturas: a força
do "amor de Cristo", (2 Cor 5, 14) – como a define São Paulo na
Segunda Carta aos Coríntios –: portanto, não essencialmente uma força cósmica,
mas sim divina, transcendente. Age também no cosmos mas, em si mesmo, o amor de
Cristo é um "outro" poder, e esta sua alteridade transcendente, o
Senhor manifestou-a na sua Páscoa, na "santidade" do
"caminho" por Ele escolhido para nos libertar do domínio do mal, como
tinha acontecido no êxodo do Egito, quando fez sair os judeus através das águas
do Mar Vermelho. "Ó Deus – exclama o salmista – santos são os vossos
caminhos... Sobre o mar foi o vosso caminho / e a vossa senda, no meio da águas
caudalosas" (Sl 77 [76], 14.20). No mistério pascal, Jesus passou
através do abismo da morte, porque Deus assim quis renovar o universo: mediante
a morte e a ressurreição do seu Filho, "morto por todos", para que
todos possam viver "para Aquele que, por eles, morreu e ressuscitou"
(2 Cor 5, 16), e não vivam unicamente para si mesmos.
O gesto solene de acalmar o mar tempestuoso é
claramente um sinal do senhorio de Cristo sobre os poderes negativos e leva a
pensar na sua divindade: "Quem é Este – interrogaram-se admirados e cheios
de terror os discípulos – a Quem até o vento e o mar obedecem?" (Mc 4,
41). A sua fé ainda não é sólida, mas está a formar-se; é um misto de medo e de
confiança; o abandono confiante de Jesus ao Pai é, ao contrário, total e puro.
Por isso, por este poder do amor, Ele pode adormecer durante a tempestade, completamente
seguro nos braços de Deus. No entanto, virá o momento em que também Jesus
sentirá medo e angústia: quando chegar a sua hora, Ele sentirá sobre si mesmo
todo o peso dos pecados da humanidade, como uma onda alta que está prestes a
cair sobre Ele. Esta, sim, será uma tempestade terrível, não cósmica, mas
espiritual. Será o derradeiro e extremo assalto do mal contra o Filho de Deus.
Todavia, nessa hora Jesus não duvidou do
poder de Deus Pai e da sua proximidade, embora tenha tido que experimentar
plenamente a distância do ódio em relação ao amor, da mentira em relação à
verdade e do pecado em relação à graça. Experimentou este drama em si mesmo de
maneira dilacerante, especialmente no Getsêmani, antes de ser preso, e depois
durante toda a paixão, até à morte na cruz. Nessa hora Jesus, por um lado, foi
um só com o Pai, abandonando-se plenamente a Ele; por outro, enquanto solidário
com os pecadores, foi por assim dizer separado e sentiu-se como que abandonado
por Ele.
Alguns Santos viveram intensa e pessoalmente
esta experiência de Jesus. Padre Pio de Pietrelcina foi um deles. Um homem
simples, de origens humildes, "arrebatado por Cristo" (Fl 3, 12)
como escreve de si mesmo o Apóstolo Paulo para dele fazer um instrumento eleito
do poder perene da sua Cruz: poder de amor pelas almas, de perdão e de
reconciliação, de paternidade espiritual e de solidariedade efetiva para com
aqueles que sofrem. Os estigmas, que o marcaram no corpo, uniram-no intimamente
ao Crucificado-Ressuscitado. Seguidor autêntico de São Francisco de Assis, fez
sua, a exemplo do Pobrezinho, a experiência do Apóstolo Paulo, como ele mesmo
descreve nas suas Cartas: "Estou crucificado com Cristo! Já não sou eu que
vivo, é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 19-20); ou então: "Em nós
age a morte, e em vós a vida" (2 Cor 4, 11). Isto não significa
alienação, perda da personalidade: Deus nunca anula o humano, mas transforma-o
com o seu Espírito e orienta-o para o serviço do seu desígnio de salvação.
Padre Pio conservou os seus dons naturais e até o seu próprio temperamento, mas
ofereceu tudo a Deus, que pôde servir-se disto livremente para prolongar a obra
de Cristo: anunciar o Evangelho, perdoar os pecados e curar os doentes no corpo
e no espírito.
Como aconteceu com Jesus, a verdadeira luta,
o combate radical, Padre Pio teve que enfrentá-los não contra inimigos
terrenos, mas sim contra o espírito do mal (cf. Ef 6, 12). As maiores
"tempestades" que o ameaçavam eram os assaltos do diabo, dos quais se
defendia com "a armadura de Deus", com "o escudo da fé" e
com "a espada do Espírito, que é a palavra de Deus" (Ef 6,
11.16.17). Permanecendo unido a Jesus, ele teve sempre em vista a profundidade
do drama humano, e para isto se entregou e ofereceu os seus numerosos
sofrimentos, e soube dedicar-se à cura e ao alívio dos doentes, sinal privilegiado
da misericórdia de Deus, do seu Reino que há-de vir, aliás, que já se encontra
no mundo, da vitória do amor e da vida sobre o pecado e a morte. Guiar as almas
e aliviar os sofrimentos: assim se pode resumir a missão de São Pio de
Pietrelcina, como pôde dizer dele também o Servo de Deus, Papa Paulo VI:
"Era um homem de oração e de sofrimento" (Aos Frades Capitulares
Capuchinhos, 20 de Fevereiro de 1971).
Estimados amigos, Frades Menores Capuchinhos,
membros dos grupos de oração e todos os fiéis de San Giovanni Rotondo, vós sois
os herdeiros de Padre Pio e a herança que ele vos deixou é a santidade. Numa
das suas cartas, ele escreve: "Parece que Jesus não tem outra preocupação,
a não ser a santificação da vossa alma" (Epist. II, pág. 155). Esta era sempre
a sua primeira solicitude, o seu anseio sacerdotal e paterno: que as pessoas
voltassem para Deus, que pudessem experimentar a sua misericórdia e,
interiormente renovadas, redescobrissem a beleza e a alegria de ser cristãos,
de viver em comunhão com Jesus, de pertencer à sua Igreja e de praticar o
Evangelho. Padre Pio atraía para o caminho da santidade com o seu testemunho
pessoal, indicando com o exemplo a "senda" que para ela conduz: a
oração e a caridade.
Antes de tudo, a oração. Como todos os grandes
homens de Deus, Padre Pio tornou-se ele mesmo oração, alma e corpo. Os seus
dias eram um rosário vivo, ou seja, uma contínua meditação e assimilação dos
mistérios de Cristo em união espiritual com a Virgem Maria. Assim se explica a
singular coexistência, nele, de dons sobrenaturais e de consistência humana. E
tudo tinha o seu ápice na celebração da Santa Missa: ali ele unia-se plenamente
ao Senhor morto e ressuscitado. Da oração, como de uma fonte sempre viva,
jorrava a caridade. O amor que ele trazia no coração e transmitia aos outros
era repleto de ternura, sempre atento às situações concretas das pessoas e das
famílias. De modo especial pelos doentes e pelos sofredores, nutria a predileção
do Coração de Cristo, e precisamente dela adquiriu origem e forma o projeto de
uma grande obra dedicada ao "alívio do sofrimento". Não se pode
compreender, nem interpretar adequadamente tal instituição, se a mesma for
separada do seu manancial inspirador, que é a caridade evangélica, animada por
sua vez pela oração.
Caríssimos, tudo isto é proposto de novo hoje
por Padre Pio à nossa nossa atenção. Os riscos do ativismo e da secularização
estão sempre presentes; por isso, esta minha visita tem também a finalidade de
vos confirmar na fidelidade à missão herdada do vosso amadíssimo Padre. Muitos
de vós, religiosos, religiosas e leigos, estais tão ocupados com as numerosas
incumbências exigidas pelo serviço aos peregrinos, ou então aos enfermos no
hospital, que correis o risco de descuidar aquilo que é verdadeiramente necessário:
ouvir Cristo, para cumprir a vontade de Deus. Quando vos dais conta de que
estais próximos de correr este perigo, olhai para Padre Pio: para o seu
exemplo, os seus sofrimentos; e invocai a sua intercessão, a fim de que vos
obtenha do Senhor a luz e a força de que tendes necessidade para dar
continuidade à sua própria missão, imbuída de amor a Deus e de caridade
fraterna. E do Céu, que ele continue a exercer a maravilhosa paternidade
espiritual que o caracterizou durante a sua existência terrena; continue a
acompanhar os seus confrades, os seus filhos espirituais e toda a obra por ele
encetada. Juntamente com São Francisco e com Nossa Senhora, que ele amou em
grande medida e fez amar neste mundo, vele sobre todos e vos proteja sempre. E
então, também nas tempestades que se podem elevar repentinamente, podereis
experimentar o sopro do Espírito Santo que é mais forte que todo o vento
contrário e que impele a barca da Igreja e cada um de nós. Eis por que motivo
devemos viver sempre na serenidade e cultivar no coração a alegria, dando
graças ao Senhor: "O seu amor é para sempre" (Salmo responsorial).
Amém!
(Homilia de Bento XVI sobre
o Padre Pio)
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