Um pregador católico inglês,
do século passado, escandalizou os seus fiéis ao dizer que era mais provável
que a alguém lhe roubassem a carteira numa igreja católica do que num templo
anglicano. Inquirido sobre a sua falta de fé na honestidade dos irmãos da sua
própria Igreja, esclareceu que, enquanto a Igreja anglicana é só para pessoas
respeitáveis, a romana, precisamente porque é católica, ou seja universal, é
para todo o tipo de pessoas, ladrões incluídos.
Alguns fiéis aceitam mal esta abertura, que
consideram permissiva em demasia. E, por isso, em tempos de crise generalizada
da fé e dos bons costumes, optam por se isolarem em pequenos grupos, evitando o
pecaminoso contágio e afastando-se dos outros fiéis, não tão exemplares na
ortodoxia ou na virtude. Em nome de uma Igreja dos puros, estes novos cátaros
fazem da sua intransigência doutrinal o imperativo principal da sua fé,
excluindo os pecadores do seu seio e excluindo-se da unidade eclesial.
Esquecem, assim, o amor universal de Cristo, que não só conviveu com pecadores
públicos, incorrendo no escândalo dos fariseus do seu tempo, como disse também
que as mulheres de má-vida os iriam preceder no reino dos Céus (Mt 21,
31). E não relevam que Jesus, como a propósito de Judas Iscariotes fez notar
Santo Agostinho, “aguentou um ‘demônio’ entre os seus discípulos até à sua
Paixão (Jo 6,70)” (A fé e as obras, 3-5).
Não são só certos crentes que desejam uma
Igreja de eleitos, constituída única e exclusivamente por fiéis exemplares.
Também os incrédulos se escandalizam quando vislumbram, dentro dos muros dos
templos cristãos, homens e mulheres pecadores, como o carteirista do sermão.
Quereriam, eles também, uma Igreja sem mancha nem pecado, feita de anjos e não
por homens, uma Jerusalém celestial que nada tivesse que ver com as fraquezas
deste mundo.
Tanto uns como outros erram, porque se a
Igreja é santa na sua origem e finalidade, é e será sempre pecadora nos seus
membros terrenos. Assim o disse Cristo quando ensinou que o trigo e o joio
devem permanecer juntos até à ceifa final (cf. Mt 13, 29), ou quando
comparou o reino dos Céus a uma grande rede de arrasto, que traz consigo todo o
tipo de peixes, bons e maus (Mt 13, 47-52). A Igreja de Cristo não está
chamada a ser um luxuoso condomínio fechado, para exclusivo uso de umas quantas
almas seletas, mas um pobre hospital de campanha, sempre de portas
escancaradas para os seus filhos pecadores e para todos os homens de boa
vontade. Os odores de santidade são para o outro mundo porque neste, mais do
que as boas obras dos virtuosos, é a pestilência das doenças físicas e morais
dos arrependidos o incenso com que Deus quer ser glorificado nos seus templos.
Ele não veio ao mundo para os sãos, mas para os enfermos (Mc 2, 17) e é
maior a sua alegria por um pecador que se converta, do que por noventa e nove
justos que perseverem no bem (Lc 15, 1-7).
Vale mais a unidade da Igreja e a sua
solidariedade com os pecadores do que esse rigorismo doutrinal, contrário à
caridade apostólica. A tentação dos falsos purismos exclusivistas e sectários
não é só de agora, porque também Santo Agostinho denunciou, no seu tempo, as “pessoas
que só tomam em consideração os preceitos rigorosos, que mandam reprimir os que
causam perturbação, que ordenam (…) que se ‘tratem como aos publicanos’ aqueles
que desprezam a Igreja, que se repudiem do seu corpo os membros escandalosos (Mt 7,6;
18,17; 5,30)” (id.). Era também este santo doutor quem assim vituperava,
energicamente, contra esses falsos pastores: “o seu zelo intempestivo causa
muita tribulação à Igreja, porque desejariam arrancar o joio antes do tempo e a
sua cegueira faz deles próprios inimigos da unidade de Jesus Cristo” (id.).
O bem da comunhão deve prevalecer sobre
qualquer outro bem, porque a caridade é o mandamento novo de Cristo (Jo 13,
34-35), a principal das virtudes cristãs (1 Cor 13, 13) e a razão da
esperança na salvação de todos os homens, sem excepção. “Tomemos cuidado em não
deixarmos entrar no nosso coração pensamentos presunçosos – adverte o santo
bispo de Hipona – em não procurarmos destacar-nos dos pecadores, para não nos sujarmos
com o seu contacto, em não tentarmos formar como que um rebanho de discípulos
puros e santos. Sob o pretexto de não frequentarmos os maus, conseguiríamos
apenas romper a unidade” (id.).
Há quem se escandalize por encontrar, na
Igreja católica, pessoas cristãs que têm dúvidas de fé, ou que atentaram contra
a vida dos seus filhos por nascer, ou que esmoreceram na esperança, ou que
vivem em uniões não abençoadas pela Igreja, ou que não conseguem ainda amar e
perdoar o próximo, ou que seguem tendências contrárias ao uso natural do corpo,
ou que são alcoólicas, ou drogadas. Confesso que rejubilo com essas benditas
presenças, em que abunda o pecado e sobreabunda a esperança, não só porque são
almas prediletas de Deus – as ovelhas pelas quais vale a pena deixar todo o
rebanho – mas, sobretudo, porque me sinto confirmado na unidade e catolicidade
da minha fé eclesial. Groucho Marx disse que jamais aceitaria fazer parte de um
clube que admitisse pessoas como ele. Eu, pelo contrário, nunca poderia
pertencer a uma Igreja que não recebesse pecadores como eu.
Pe. Gonçalo Portocarrero de
Almada in 'Observador'
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