O sigilo na Igreja é e sempre
foi algo natural e necessário. Às vezes, no entanto, curioso e intrigante. Foi
o que aconteceu nesta semana. A Sala de Imprensa da Santa Sé divulgou no sábado
passado (20) que em 27 de agosto de 2014, quase um mês atrás, o Santo Padre
assinou o ato de criação da uma “Comissão Especial de estudo para a reforma do
processo matrimonial”. Não podemos nos
esquecer que estamos a cerca de duas semanas do começo do “Sínodo para a Família”,
que decorre a partir de 5 de Outubro e que discutirá questões complexas e
polêmicas sobre o status atual da família, sobre a indissolubilidade do
matrimônio e a comunhão a alguns recasados. O anúncio discreto da criação desta
Comissão tem mais força do que parece ser e foi delicadamente retido até agora.
Continuando o Comunicado, a Sala de Imprensa
elenca os membros da Comissão, que são sobretudo especialistas em Direito canônico
e conta com apenas um cardeal: “Esta Comissão será presidida por Dom Pio Vito
Pinto, Decano do Tribunal da Rota Romana, e será composto pelos seguintes
membros: Cardeal Francesco Coccopalmerio, Presidente do Pontifício Conselho
para os Textos Legislativos; Dom Luis Francisco Ladaria Ferrer, Secretário da
Congregação para a Doutrina da Fé; Dom Dimitrios Salachas, Exarca Apostólico
para os católicos gregos de rito bizantino; o Rev. Mons. Maurice Monier, Leo
Xavier Michael Arokiaraj e Alejandro W. Bunge, Prelados Auditores do Tribunal
da Rota Romana; o Rev. Nikolaus Schöch, O.F.M., Promotor Substituto do Supremo
Tribunal da Signatura Apostólica; o Rev. P. Konštanc Miroslav Adam, OP, Reitor
da Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino (Angelicum); o Rev. P.
Espinoza Jorge Horta, OFM, Decano da Faculdade de Direito Canônico da
Pontifícia Università Antoniamum; e o Prof. Paolo Moneta, ex-professor de
Direito Canon na Universidade de Pisa”.
A nota termina indicando que: “os trabalhos da Comissão especial
começarão o quanto antes e têm como âmbito preparar uma proposta de reforma do
processo matrimonial, no sentido de simplificar os procedimentos, tornando-os
mais céleres e salvaguardando o princípio de indissolubilidade do matrimônio”.
Apesar da comunicação oficial, pairam no ar
algumas perguntas. A primeira delas é que o texto não diz claramente se estes
processos são os de “Habilitação Matrimonial” e, portanto, tocaria a todos os
procedimentos antes do casamento ou se são relativos ao “Processo de Nulidade
matrimonial”, isto é, após o fracasso do primeiro matrimônio. Alguns
especialistas em Direito canônico, como o padre Manuel Saturino Gomes, auditor
do Tribunal da Rota Romana, acreditam que o objetivo seja mesmo a simplificação
dos processos de Nulidade de casamentos católicos, dando aos casais em segunda
união e que iniciaram o processo, uma resposta mais rápida de suas demandas: “a
Comissão de estudo vai permitir ‘flexibilizar algumas normas’ que podem
dificultar o andamento dos processos, diz o canonista.
Outra dúvida é quando exatamente essa Comissão
iniciará seus trabalhos, se antes do Sínodo das Famílias, junto do Sínodo ou só
depois do Sínodo; dependendo do que acontecerá no Sínodo e as novas diretrizes
emanadas dele, será taxativa a mudança da práxis canônica atual. Essas mudanças
serão apenas no “iter processual”? Será o Código de Direito Canônico renovado?
O que realmente essa Comissão vai propor e mudar? Quais serão as orientações
que os canonistas desta Comissão receberam para este trabalho? É bem difícil
responder a todas essas questões. Mas de uma coisa podemos ter certeza: esse
trabalho não é marginal; é um dos mais importantes.
A última questão, e a que mais se sobressai,
é a ausência do nome do Cardeal Raymond
Leo Burke na lista dos integrantes da Comissão. Sendo um canonista exímio e
atual Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, o mais elevado
Tribunal da Igreja, o cardeal deveria ter “cadeira cativa” nesta Comissão recém
criada, o que não aconteceu. Segundo informações não oficiais divulgadas por
Sandro Magister, o purpurado estaria prestes a ser transferido de sua atual
função para uma outra meramente honorária, o título de “cardeal patrono” da
Soberana Ordem Militar de Malta, substituindo o atual titular Paolo Sardi, que
há pouco completou 80 anos de idade. Sendo verdade ou não esta nomeação, o
certo é que, ou pensam que o Cardeal não deve ser ouvido no que se refere ao
matrimônio ou está recebendo alguma trava pelas suas declarações públicas
contra as ideias apresentadas em favor do mesmo sacramento, tanto em
entrevistas como no livro de autoria comum com outros autores de peso sobre
esta matéria.
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