Na realidade, o homem
separado de Deus reduz-se a uma só dimensão, a horizontal, e precisamente este
reducionismo é uma das causas fundamentais dos totalitarismos que tiveram
consequências trágicas no século passado, assim como a crise de valores que
vemos na realidade atual. Obscurecendo a referência a Deus obscureceu-se
também o horizonte ético, abrindo espaço ao relativismo e confirmando-se uma
concepção ambígua da liberdade que em vez de ser liberatória acaba por ligar o
homem a ídolos. As tentações que Jesus enfrentou no deserto antes da sua missão
pública, representam bem aqueles "ídolos" que fascinam o homem,
quando não vai além de si mesmo. Se Deus perder a centralidade, o homem perde o
seu justo lugar, e não encontra a sua colocação na criação, nas relações com os
outros. Não se extinguiu o que a sabedoria antiga evoca com o mito de Prometeu:
o homem pensa que pode tornar-se ele mesmo "deus", dono da vida e da
morte.
Diante deste quadro, a Igreja, fiel ao
mandato de Cristo, nunca cessa de afirmar a verdade sobre o homem e sobre o seu
destino. O Concílio Vaticano II afirma sinteticamente que: "O aspecto mais
sublime da dignidade humana encontra-se na vocação do homem à união com Deus.
Começa com a existência o convite que Deus dirige ao homem para dialogar com
Ele: se o homem existe é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de
o conservar na existência; e o homem não vive plenamente segundo a verdade, se
não reconhecer livremente este amor e não se entregar inteiramente ao seu
criador" (Const. Gaudium et spes, 19).
Então, que respostas está a fé chamada a dar,
com "doçura e respeito", ao ateísmo, ao cepticismo, à indiferença
pela dimensão vertical, para que o homem do nosso tempo possa continuar a
interrogar-se sobre a existência de Deus e a percorrer os caminhos que levam a
Ele? Gostaria de mencionar alguns caminhos, que derivam tanto da reflexão
natural, como da própria força da fé. Gostaria de os resumir muito
sinteticamente em três palavras: o mundo, o homem e a fé.
A primeira: o mundo. Santo Agostinho, que na
sua vida procurou a Verdade por muito tempo e foi arrebatado pela Verdade,
escreveu uma página lindíssima e célebre, na qual disse: "Perscruta a
beleza da terra, do mar, do ar rarefeito e onde quer que se expanda; perscruta
a beleza do céu... e todas as realidades. Todas te responderão: olha para nós e
vê como somos bonitas. A sua beleza é como um hino de louvor. Ora, estas criaturas
tão bonitas, mas também mutáveis, quem as fez se não aquele que é a beleza
inalterável? (Sermo 241, 2: PL 38, 1134). Penso que devemos recuperar e fazer
recuperar ao homem de hoje a capacidade de contemplar a criação, a sua beleza,
a sua estrutura. O mundo não é um magma amorfo, mas quanto mais o conhecemos e
descobrimos os seus mecanismos maravilhosos, tanto mais vemos um desígnio,
vemos que existe uma inteligência criadora. Albert Einstein disse que nas leis
da natureza "se revela uma razão tão superior que toda a racionalidade do
pensamento e dos ordenamentos humanos em comparação é um reflexo absolutamente
insignificante" (O Mundo como eu o vejo). Portanto, um primeiro caminho
que leva à descoberta de Deus é a contemplação da criação com um olhar atento.
A segunda palavra: o homem. É sempre de santo
Agostinho a frase célebre com a qual diz que Deus é mais íntimo de mim de
quanto eu o seja de mim mesmo (cf. Confissões III, 6, 11). A partir disto ele
formulou o convite: "Não saias de ti mesmo, entra em ti mesmo: a verdade
habita no homem interior" (De vera religione, 39, 72). Este é outro
aspecto que corremos o risco de perder no mundo ruidoso e dispersivo no qual
vivemos: a capacidade de refletir, de meditar em profundidade e de detectar
aquela sede de infinito que trazemos no íntimo, que nos impele a ir além e nos
remete para Alguém que a possa satisfazer. O Catecismo da Igreja Católica
afirma: "Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem
moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de
infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus"
(n. 33).
A terceira palavra: a fé. Sobretudo na
realidade do nosso tempo, não devemos esquecer que um caminho que leva ao
conhecimento e ao encontro com Deus é a vida da fé. Quem crê está unido a Deus,
está aberto à sua graça e à força da caridade. Assim a sua existência torna-se
testemunho não de si mesmo, mas do Ressuscitado, e a sua fé não teme mostrar-se
na vida quotidiana, está aberta ao diálogo que expressa profunda amizade pelo
caminho de cada homem, e sabe dar esperança a necessidade de resgate, de
felicidade e de futuro. De fato, a fé é encontro com Deus que fala e age na
história e que converte a nossa vida diária, transformando a nossa mentalidade,
juízos de valor, escolhas e ações concretas. Não é ilusão, fuga da realidade,
refúgio cômodo, sentimentalismo, mas é participação de toda a vida e é anúncio
do Evangelho, Boa Nova capaz de libertar o homem todo.
Um cristão e uma comunidade que sejam ativos
e fiéis ao projeto de Deus que nos amou em primeiro lugar, constituem um
caminho privilegiado para quantos vivem na indiferença e na dúvida acerca da
sua existência e ação. Contudo, isto exige que o testemunho de fé de cada um
se torne cada vez mais transparente, purificando a própria vida para que esteja
em conformidade com Cristo. Hoje muitos têm uma concepção limitada da fé cristã
porque a identificam com um mero sistema de crença e de valores e não com a
verdade de um Deus que se revelou na história, desejoso de comunicar
intimamente com o homem, numa relação de amor com ele. Na realidade, como
fundamento de toda a doutrina e valor está o evento do encontro do homem com
Deus em Jesus Cristo. O Cristianismo, antes de uma moral ou de uma ética, é o
acontecimento do amor, é o acolhimento da pessoa de Jesus. Por isso o cristão e
as comunidades cristãs antes de mais devem olhar e fazer olhar para Cristo, o
verdadeiro Caminho que leva a Deus.
Bento XVI no Ângelus de
14.11.2012
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