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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O meu vizinho ateu



Surpreende o fato de que em certos meios de comunicação o conteúdo central do livro de Bento XVI, A infância de Jesus, foi posto em segundo plano em relação à questão da presença ou não do boi e do burro na gruta de Belém. Desviando a atenção do ponto focal da obra que, como o próprio Papa sublinhou, não é um ato de ensinamento pontifício, mas a expressão da sua pesquisa pessoal e teológica sobre o rosto do Senhor.

Talvez, além do aspecto anedótico, a confusão mediática seja um sinal da secularização e da desertificação espiritual que Bento XVI identifica como problema principal que a Igreja deve enfrentar no nosso tempo. E um dos sintomas mais dolorosos é a marginalização silenciosa e transversal de Deus da vida pessoal e pública.
Afirma-o também o arcebispo e teólogo espanhol Fernando Sebastián na sua ultima obra La fé que nos salva, quando afirma que “o problema número uma da Igreja de hoje consiste em ajudar as pessoas a crer”. Com efeito, na sua opinião, “ontem o ateísmo subsistia na mente de alguns filósofos. Hoje, temo-lo dentro de casa, nos primos, nos sobrinhos e nos vizinhos. O ateísmo envolve todos nós, e o viver como se Deus não existisse tornou-se uma espécie de ateísmo por omissão”. Remediar a esta situação e voltar a pôr Deus no centro é o que Bento XVI está a fazer.
Para o Papa, este compromisso é necessário também na Igreja, porque “o desafio de uma mentalidade fechada ao transcendente – disse a 25 de novembro de 2011 – obriga também os próprios cristãos a voltar de modo mais decidido à centralidade de Deus (...) Por isso, não menos urgente é propor de novo a questão de Deus, inclusive no próprio tecido eclesial”.
A este compromisso de voltar a Deus, Bento XVI dedica mais de um mês as suas catequeses de quarta-feira. Como aconteceu no passado, nas lições de teologia que o professor Joseph Ratzinger dava aos estudantes universitários da Tübingen – reunidas a mais de quarenta anos no volume Einführung in das Christentum “Introdução ao Cristianismo” – assim no atual ciclo de catequeses o Papa explicou que a “fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança. Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdos: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se realmente próximo de cada um de nós” (24 de outubro de 2012).
Esta é a proposta fundamental do Ano da Fé, que o Pontífice proclamou para reavivar na Igreja a alegria de crer através da recuperação do primado de Deus, pois “se Deus perder a centralidade, o homem perde o seu justo lugar,e não encontra a sua colocação na criação, nas relações com os outros” (14 de novembro de 2012). Sem Deus, tudo de volta contra o homem.
Por sua vez o homem, que Bento XVI define “mendigo de Deus”, traz em si mesmo “um desejo misterioso de Deus” (07 de novembro de 2012), que não pode permanecer uma paixão inútil, mas deve transformar-se num anseio profundo, alimentado pelas alegrias autênticas e pelo desejo de plenitude.
Sem dúvida, a resposta do homem é essencialmente resposta a Deus: mas, também e precisamente por isso, é resposta aos outros, através da obra de evangelização, que por sua vez é comunicação com Deus. “Falar de Deus – recorda o Papa – é comunicar, com força e simplicidade, com a palavra e com a vida, aquilo que é essencial: o Deus de Jesus Cristo, aquele Deus que nos mostrou um amor tão grande, a ponto de encarnar, morrer e ressuscitar por nós; aquele Deus que pede para O seguir e para se deixar transformar pelo seu amor imenso, para renovar a nossa vida e os nossos relacionamentos; aquele Deus que nos concede a Igreja, para caminharmos juntos e, através da Palavra e dos Sacramentos, renovamos toda a Cidade dos homens, a fim de que ela possa tornar-se Cidade de Deus” (28 de novembro de 2012).
As catequeses de Bento XVI são do essencial, para conduzir a Deus os homens e as mulheres do nosso tempo.

José Maria Gil Tamayo

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