Em certo Natal andava São
Francisco pela floresta e pelos caminhos gemendo e suspirando, e, ao
perguntarem-lhe a causa de sua tristeza, respondeu: "Como quereis que não
chore vendo que o amor não é amado? Vejo Deus inebriado de amor pelos
homens e os homens tão ingratos para com esse Deus". Se tanto afligia
essa ingratidão dos homens a São Francisco, consideremos quanto mais afligirão
ao Coração de Jesus. Tão logo foi concebido no seio de Maria viu a cruel
correspondência que havia de receber dos homens. Tinha vindo do céu para atear
o fogo do amor divino, e esse desejo o tinha feito descer à terra e sofrer um
abismo de penas e ignomínias: "Vim trazer o fogo à terra e que quero senão
que se ateie?" (Lc 12,49). E depois via o abismo de pecados que cometeriam
os homens apesar de terem sido testemunhas de tantas provas de seu amor. Esse
foi, disse São Bernardino de Sena, o que lhe fez padecer uma dor infinita.
Ainda entre nós, quando alguém se Vê tratado ingratamente por outro é uma dor insuportável, pois a ingratidão freqüentemente aflige a alma mais que outra dor ao corpo. Que dor, pois, ocasionaria a Jesus, que era nosso Deus, ver que, por nossa ingratidão, seus benefícios e seu amor seriam pagos com desgostos e injúrias? "Deram-me males em troca de bens e ódio em troca do amor que eu lhes tinha". (Sl 108,5). E ainda hoje se lamenta Jesus Cristo: "Fui um estrangeiro para meus irmãos" (Sl 68,9), pois vê que não é amado nem conhecido de muitos, como se não lhes tivesse feito bem nenhum nem tivesse sofrido nada por seu amor.
Ó meu Deus, que
caso fazemos, mesmo os cristãos, do amor de Jesus Cristo? Apareceu um dia Ele
ao Beato Henrique Suso como um peregrino que mendigava de porta em porta, sendo
sempre posto fora com injúrias. Quantos são semelhantes àqueles de quem falou
Jó: "Eles diziam a Deus: Retira-te de nós, e julgavam o Onipotente,
como se não pudesse fazer nada; sendo que ele cumulou de bens as suas casas "(Jo
22,17). Nós, ainda que no passado nos tenhamos unido a esses ingratos, queremos
continuar com nossa ingratidão no futuro? Não, porque não o merece aquele
amável Menino que veio do céu padecer e morrer por nós para que o amássemos.
Reza-se
o Terço e a Ladainha de Nossa Senhora
Oração:
Senhor Jesus, que descestes
do céu para que nós vos amássemos, tomando uma vida cheia de trabalho e a morte
numa cruz, como pudemos tantas vezes dizer-vos: "Retirai-vos de nós",
não vos queremos, ó nosso Deus, se não fôsseis bondade infinita nem tivésseis
dado a vida para perdoar-nos, não nos atreveríamos a pedir-vos perdão; mas
sabemos que Vós mesmo nos quereis dar a paz: "Convertei-vos a mim, diz o
Senhor Deus dos exércitos e eu me voltarei para Vós" (Zc 1,3). Vós mesmo, Jesus,
que sois o ofendido, intercedeis por nós. Não queremos, pois, ofender-vos ainda
uma vez, desconfiados de vossa misericórdia.
Arrependemo-nos com
toda a alma de vos ter desprezado, meu sumo Bem. Dignai-vos receber-nos em
vossa graça pelo sangue derramado por Vós. "Pai, não sou digno de ser
chamado teu filho" (Lc 15,21). Não, nosso Redentor e Pai, não somos
dignos de ser vossos filhos, porque tantas vezes renunciamos ao vosso amor; mas
Vós nos tornais dignos com vossos merecimentos.
Que só o pensamento
da paciência com que suportastes nossos pecados durante tantos anos e das
graças que nos concedestes, depois de todas as injúrias que vos fizemos,
faça-nos viver ardendo nas chamas de vosso amor. Vinde, pois, Senhor, que não
vos expulsaremos mais, vinde habitar nosso pobre coração. Amamo-vos e queremos
amar-vos para sempre, e Vós abrasai-nos sempre mais, com a lembrança do amor
que nos tivestes.
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