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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Alguns sentidos para o termo “Exéquias”



  O verbete “exéquias” foi coligido por Raphael Bluteau em 1728 com uma definição mais complexa em relação aos demais lexicógrafos estudiosos que lexicograficamente se debruçaram sobre o termo nos séculos XVIII e XIX. Para Bluteau, as exéquias são honras[1] funeraes na morte de alguém, advindo do verbo latino Exssequi, que significa, executar, porque com as exéquias se acaba de fazer tudo o que se deve ao defunto.”[2]

  Nesse sentido, Bluteau considera as exéquias como um rito de passagem que não menciona a valorização do sofrimento e, sim, desempenha um papel teológico e social. Teológico, por se tratar da passagem da vida. E social por se tratar de um espaço-tempo em que o público e o privado são quase indistintos e que a valorização dos rituais de morte se tornam imprescindíveis para a vida. No caso de Minas, basta pensar a valorização do culto a São Miguel e Almas e nas exéquias realizadas em todo o território em honra à morte de Dom João V. Assim, todos os quatro cantos do mundo executaram aquele ritual, como diz o próprio Bluteau: “se acaba de fazer tudo o que se deve ao defunto”.
  Como em grande parte dos verbetes de seu dicionário, Bluteau relembra passagens clássicas, como Ovídio: “Cousa concernente às exéquias”; e Cícero “Fazer as exequias de alguém” e “Assistir às exéquias”.
  Como sabido, a dinâmica linguística do final do século XVIII proporciona uma alteração de sentido substancial no verbete “exéquias”. Basta observar que as definições preparadas por Antonio de Moraes Silva[3], em 1789, e por Luiz Maria da Silva Pinto[4], em 1832. Em ambos os textos, o termo “exéquias” aparece apenas como “honras funerais”.
  A partir do século XVIII até o XX, ressaltamos duas observações, quais sejam: 1) alterações nas celebrações funerais e 2) e alterações no vocábulo e, por conseguinte, no conceito de exéquias. Caracterizando uma simplificação e, por vezes negação na modernidade.

Comentários históricos sobre as exéquias

  Com um sentimento de morte sempre presente em meio ao efêmero da vida na colônia, Deus tinha que ser lembrado. Sendo que esse era um dos papéis fundamentais da religião católica junto à sociedade colonial e, de modo especial, da fronteira como aconteceu na Capitania de Mato Grosso e Cuiabá. Para uma sociedade influenciada por uma religiosidade barroca, ou seja, dramática, extremamente devocional, a morte constituía-se em séria preocupação para os fiéis, tornando- se um dos momentos mais significativos, para não se dizer central, dentre as práticas religiosas da comunidade dessa época. Na sociedade colonial a morte era “administrada” exclusivamente pela Igreja Católica. Os cemitérios públicos só foram criados a partir do século XIX. Antes, porém, os falecidos eram enterrados necessariamente nas igrejas ou nos cemitérios das mesmas, seguindo o ritual católico, exceto aqueles que eram contrários à fé católica ou que cometessem alguma ofensa grave.
  Nas constituições primeiras do Arcebispado da Bahia, segue no artigo 857 a lista das pessoas, às quais deveria ser negada a sepultura eclesiástica:

I - Judeus, Hereges, cismaticos, & apostatas de nossa santa fé, II - Aos blasfemos contra Deus Deus, Nossa Senhora e os Santos, III - suicidas, IV - Os que desafiam publicamente, ou particulares, e morrem neles, V - Aos manifestos usuários tidos, & havidos por taes,VI - manifestos roubadores, ou violadores das igrejas, & seus bens,VII - excomungados públicos, VIII - Religiosos professos, que no tempo de sua morte constar manifestamente, que tem bens próprios contra as Regras de sua Religião, IX - Aos que por sua culpa deixarem de se confessar e comungar naquele ano pela obrigação da Igreja, X - Aos infiéis & pagãos, que nunca pediram ou receberam o sacramento do batismo, XI - As crianças, que não forem batizadas, posto que seus pais, sejam ou fossem cristãos.
  Não se encaixando em nenhum dos casos da lista acima citada, o cristão para não correr o risco de sua alma ir para outro local que não fosse o céu ou o purgatório, e assim perder a garantia de sua passagem e o descanso na outra vida do além morte, o crente tinha que se esforçar no cumprimento de suas obrigações para com a Igreja e, principalmente, fazer parte de uma irmandade. Fazendo parte de uma irmandade, cumprindo as suas obrigações previstas nos compromissos, o fiel sabia que ao morrer teria a realização de todo o ritual das exéquias, seria enterrado em local adequado (de preferência dentro da igreja), e que os irmãos estariam rezando por sua alma por algum tempo. Dessa maneira, a preparação do funeral começava com bastante antecedência, antes mesmo de a pessoa demonstrar algum sinal de doença. Tudo tinha que ser muito bem preparado: o cortejo fúnebre, a encomenda das missas, a reserva da sepultura dentro do espaço dos templos e o traje mortuário. Toda essa preparação acabava transformando os funerais em eventos sociais, esta foi a forma de celebrar a morte que perdurou por mais de trezentos anos no Brasil.
  No período do século XVIII, havia três tipos de enterramentos no âmbito das igrejas: os que aconteciam junto aos consistórios das respectivas irmandades existentes; os tipos de enterramentos que eram feitos dentro das igrejas, ou capelas filiais; e, por fim, o terceiro tipo que ocorria no cemitério da igreja ou cemitério da fábrica que se destinava ao enterramento dos pobres e escravos.
  Por seu valor social de demonstração de riqueza, poder e status, os funerais formaram uma verdadeira tradição fúnebre, própria da cultura portuguesa e do catolicismo tradicional, calcados no imaginário barroco.
  Inseridas neste mesmo período, também eram celebradas com muito requinte e ostentação exéquias solenes por ocasião da morte de reis e príncipes portugueses. Eram celebrações públicas simuladas de caráter litúrgico sem a presença do cadáver.
  A celebração das Exéquias reais era um meio, pelo qual, se buscava avivar na população sentimentos reflexivos diante da morte. Mas, sobretudo, um mecanismo utilizado pelas autoridades civis e eclesiásticas de interação entre os diferentes grupos sociais que formavam a sociedade colonial ressaltando o poder da monarquia aos súditos. Neste sentido, o resultado almejado destas celebrações fúnebres era muito próximo dos objetivos das entradas solenes.

O sentido teológico das exéquias

  Com o dia de sua morte, o cristão termina na Terra seu tempo de vida humana e inicia um novo nascimento, à semelhança do Batismo, para a eternidade. O adeus ("a Deus") ao defunto é sua "encomendação a Deus" pela Igreja. Este é o último adeus pelo qual a comunidade cristã saúda um de seus membros antes que o corpo dele seja levado à sepultura.
  A igreja, que se reconhece mãe e que acompanhou toda a vida do fiel, faz-se presente também neste momento de Páscoa: “a vida não é tirada, mas transformada”. Neste momento derradeiro, o cristão tem necessidade de purificações para se vestir com a veste nupcial, que é a realidade do céu.
  As exéquias são uma celebração litúrgica da Igreja que têm duas razões primordiais: primeiro preparar o fiel para o passamento e apresentação diante de Deus, no juízo particular e segundo, preparar os presentes para que também reflitam sobre este momento definitivo. Ao celebrar os funerais, professam-se duas verdades do Credo: a “Comunhão dos santos” e a “Ressurreição dos mortos”; pela primeira, revela-se a fé de que estamos unidos aos irmãos que partiram, a Igreja padecente, e que podemos rezar por eles e pela segunda verdade, crê-se que no juízo final, os mortos terão seus corpos revitalizados, tanto os bons quanto os maus.
  A liturgia romana propõe três tipos de celebração dos funerais, correspondendo aos três lugares onde acontece (a casa, a igreja e o cemitério) e segundo a importância que a ela atribuem a família, os costumes locais, a cultura e a piedade popular. Vale lembrar que no tempo do Brasil Colônia, somente o Bispo ou o padre poderiam oficiar as exéquias.




[1] Ainda o mesmo dicionário Bluteau, afirma a honra como: “umas vezes é o respeito e reverência com que tratamos as pessoas em razão da sua nobreza, dignidade, virtude ou outra excelência. Outras vezes é o crédito e boa fama, adquirida com boas ações. Outras vezes é a dignidade e proeminência de algum cargo na República”.
[2] BLUTEAU, Raphael.
[3] SILVA, Antonio de Moraes.
[4] PINTO, Luiz Maria da Silva.

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