Caríssimos irmãos e irmãs!
Iniciamos
nesta Quarta-feira de Cinzas o tempo da Quaresma. Todos os anos, de modo
simbólico mais concreto, a Igreja é convidada a entrar no deserto com Cristo;
todos os católicos são chamados a fazer uma “peregrinação interior até Aquele
que é a fonte da misericórdia” (Bento XVI). Tal viagem não se empreende se não
for o próprio Senhor a nos guiar. E nos guia para onde? Para ver o quê?
Guia-nos, sobretudo a Ele mesmo, que é a verdade e nos mostra quem somos e o
que devemos ser.
Nossa
celebração teve início logo após uma procissão penitencial. Ela nos lembrou de
que somos peregrinos nesta terra, caminhantes. Não vivemos para esta vida, mas
para outra; nos dirigimos não para um lugar físico, mas para a realização plena
de nossas almas. A caminhada que fizemos nos lembrou os 40 anos da caminhada do
Povo de Deus no deserto. Como aquele povo, devemos viver na esperança, ainda
que em meio a dores, a dúvidas, cansaços e quedas. Caminhar na fé é já uma
antecipação do que pretendemos obter: a vida eterna.
“Voltai-vos
para Mim, de todo o vosso coração, com jejuns, com lágrimas e com gemidos.
Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes, e convertei-vos ao Senhor
vosso Deus, porque Ele é benigno e compassivo, paciente e de muita misericórdia,
e inclinado a suspender o castigo”, nos disse o profeta Joel . O verbo
“voltar” é bem o projeto que cada um de nós deve ter diante de Deus. Voltar ao
seu divino coração, voltar aos seus braços, voltar à sua graça, voltar ao seu
caminho de vida. Conversão é exatamente isso: “verter-se para”, “dar uma volta
em torno”. É sair da órbita do meu “eu” e me entregar a Deus, de todo o
coração. Para tanto, esse órgão emocional que é o coração, não pode ser o
mesmo, deve ser outro, diferente, puro. É preciso, como disse o profeta,
rasgá-lo, abri-lo, escancará-lo. Sim, por vezes, devemos macerar o coração,
abri-lo à força porque o orgulho sempre é forte em nós. Esta “força” para abrir
o coração é que chamamos de penitência.
A
penitência cristã é apresentada aos fiéis, sobretudo, por três ações: o jejum,
a esmola e oração. Pelo jejum, nosso corpo se une à fome de tantos irmãos e
irmãs e nos lembra a fraternidade que devemos ter para com todos; o que
retiramos de nossa mesa deveria ser dado aos pobres. O jejum também nos lembra
a fraqueza do corpo e nos remete à grandeza da alma: assim como o corpo precisa
de alimento, nossa alma precisa de Deus. Pela esmola, desviamos nosso olhar de
nós mesmos, das nossas necessidades, do nosso querer para nos lançarmos à
necessidade do próximo. Abrimos nossa mão para dar e não apenas para receber;
fazemos com que o egoísmo e a ganância não tenham lugar em nossos corações. A
esmola nos ensina a partilha. Pela oração, nossa alma se dobra diante do
Criador, se entrega a Ele. O diálogo, a conversa sincera e amiga que temos com
Deus, é um momento de graça para nos trazer paz e equilíbrio. A oração nos
lança para Deus, nos remete para um tempo fora do tempo, lugar onde só o Céu
pode existir.
A
Quaresma, irmãos e irmãs, é um tempo propício para a aproximação de Deus e das
coisas sagradas. Santo Agostinho dizia: “o tempo da Quaresma simboliza esta
vida presente na terra, com suas adversidades e tribulações, e que o tempo da
Páscoa simboliza a alegria da vida futura”. É o tempo de buscar mais a conversão
e de recordar nossa pequenez diante do mundo. “Lembra-te que és pó e ao pó, hás
de voltar”, “convertei-vos e crede no Evangelho”, são expressões que
escutaremos daqui há alguns instantes ao receber as cinzas e que nos dizem
muito acerca de nossa vocação cristã e de membros de uma Paróquia. Somos nada
diante da grandeza de nosso chamado e só trabalharemos para o bem da Igreja, se
percebermos juntos a disposição para o serviço e a indignidade de cada um de
nós. Quando alguém se acha merecedor de honras e acima dos outros, é a inversão
da realidade de ser nada. A Cristo todo o louvor, a nós a sua graça! Só unidos
a Deus, poderemos seguir adiante e ver, apesar das trevas, a luz que ilumina
tudo e todos. Quanto menos buscarmos a nossa glória, mas a glória de Deus, mais
alcançaremos a felicidade como o Senhor quer.
Finalmente, queridos irmãos e irmãs, gostaria de tecer algumas palavras
sobre os últimos acontecimentos na nossa Igreja Católica. Fomos surpreendidos
na segunda-feira passada pelo anúncio da renúncia do Papa Bento XVI. É um
momento de reflexão na Igreja. O Papa percebeu, depois de muita oração e
meditação, que não se encontrava em condições físicas para continuar à frente
da Igreja. Segundo o Papa, a Igreja tem necessidades muito particulares nesta
hora e ele não teria capacidade, nem forças de dar aquilo que a Igreja precisa.
Segundo ele, sua renúncia foi para bem da Igreja.
Por
mais difícil que seja para nós aceitar que um Papa renuncie, algo que nem nós
nem nossos antepassados vimos, o Papa demonstra não falta de coragem ou de fé,
pelo contrário, por um ato de pura fé e de humildade, ele se vê impossibilitado
de levar a Igreja aonde deve ir. Meditando sobre as razões do Papa, olhei bem
pra mim: se eu que cuido de centenas me sinto tão indigno, tão fraco e, por
vezes, tão pesado, imagine o Papa ao cuidar de milhões de pessoas. Diante da
renúncia do Papa devemos meditar sobre como temos trabalhado na vinha do
Senhor, como temos percebido nossa pequenez e como temos rezado. É preciso
rezar. Rezar pela Igreja, rezar pelos nossos pastores.
Devemos nesta hora sustentar o Papa Bento XVI com nossas preces e
agradecê-lo por seu serviço humilde, fiel e sóbrio à frente da Igreja.
Silenciosamente, o Papa mudou a muitos corações e nos mostrou um itinerário espiritual
bem particular e profundo. Rezemos pela eleição do futuro Papa. Ele será Pedro
e nós continuaremos a renovar nossa obediência. Rezemos pelo bem da Igreja.
Rezemos pela nossa conversão, para que Deus triunfe e sua glória se estenda
sobre nós. Amém!
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