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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Estudo sobre a discrição (Parte 1)



Introdução

  Em sua obra Diálogos, livro II, São Gregório Magno se detêm, exclusivamente, na figura do “homem de Deus”, São Bento. Apresentará a sua “vida” não como as biografias modernas, mas a partir de suas palavras e de seus milagres, delineando o perfil do santo como homem sábio nas coisas de Deus (cf. Diál.II, Prol.) e homem amigo dos homens (cf. Diál.II, 1). São Gregório louvará não apenas a clareza da linguagem de São Bento, mas sobretudo a discrição na sua doutrina (cf. Diál.II, 36).

  O vocábulo discretio e sua compreensão não são originais de São Bento, mas tomado por ele, certamente, da obra de Cassiano (Colações II). Nesta obra, há um verdadeiro tratado sobre a discretio: a graça da discrição, a importância da discrição, a ignorância da discrição, referências da discrição nas Escrituras Sagradas, aquisição da discrição, etc.

  Diferente de Cassiano, até porque não convinha ao gênero “Regra”, Bento não faz um tratado sobre a discrição, mas a apresenta como virtude necessária e integrante da vida de um mosteiro, a começar pelo seu abade e expansiva a todos os que desejam servir a Deus de coração sincero e conviver com os irmãos de maneira fraterna.

  Poderíamos dizer que Cassiano foi “teórico” da discretio, enquanto Bento foi “prático”, encarnando em sua vida e na de seus monges a “mãe das virtudes” (RB 64,19). A discretio perpassa toda a Santa Regra, se não explícita, implicitamente.

  Segundo Dom Tomaz Graf OSB, “se há uma virtude propriamente beneditina, é a da discrição” e diríamos também que , por causa dela, a  Regra beneditina prevaleceu e se perpetuou pelos tempos; mais, fez também a Regra influenciar tantas outras Regras e marcar profundamente a vida de outros tantos consagrados. Modernamente, tal influência se fez ver na obra de Santo Inácio de Loyola quando apresentou, pormenorizadamente, a discrição como “discernimento” em seus “Exercícios espirituais”.

  Mas o que vem a ser discrição? A palavra discrição vem do grego "diákrisis" e da sua correspondente latina discretio. Segundo o Dicionário de Termos da Fé , é a “arte de distinguir e de reter efetivamente o que, nos atos ou nas palavras, não deve ser feito nem dito; arte de guardar um segredo, de não fazer perguntas curiosas, de não forçar a intimidade dos outros, de não lhes impor uma presença incômoda e inoportuna. Disposição pela qual se evita, na vida espiritual ou na disciplina religiosa, tudo o que seria excesso, singularidades ou falta de equilíbrio. É a virtude da moderação e justo meio, a reguladora ou o árbitro das outras virtudes”. Estas últimas definições parecem ser, de fato, o que Cassiano apresentou e que São Bento tão bem demonstrou em sua Regra.

  São Bento considera a fraqueza humana, olha para seus monges como indivíduos, vê concretamente cada homem. Neste aspecto o consideramos um “humanista”, porque se debruça sobre a questão do homem, não como um filósofo ou jurista, mas como pai que se preocupa com a salvação de todos os seus filhos (cf. Prólogo da RB).

  Em sua preocupação de levar todos para Deus, Bento se utiliza da ferramenta da discretio; pelos diversos temperamentos, pelos altos e baixos, pelas diversas necessidades, devem haver cuidados pessoais e únicos da parte do abade. Não se pode nivelar. Sem a discretio não existe paternidade espiritual.

  Vista nestes termos, a discrição pode ser entendida por “medida”, “discernimento”, “moderação”; ela regula os excessos, persegue o fundamental e dá equilíbrio a todas as coisas. No dizer de Cassiano: “É ela que, deixando de lado os dois excessos contrários, ensina o monge a andar na estrada real. Nem o deixa desviar-se à direita, num fervor excessivo de virtudes com que presume totalmente ir além dos limites da justa temperança; nem lhe permite, quando seduzido pelo relaxamento, dobrar à esquerda e descer para os vícios, afrouxando-se na tibieza da alma, sob pretexto de governar o corpo” (Colações II, 2).

  Neste trabalho, apresentaremos, de maneira sucinta, a virtude da discretio em Cassiano e de maneira mais larga na Santa Regra e concluiremos levantando alguns valores para a vida cristã e monástica. Omitiremos, pela brevidade do estudo, outras fontes do período patrístico, medieval e moderno.

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