Homilia do 3° Domingo do Tempo Comum

  O povo de Israel, ora por seu próprio pecado, ora por definição de Deus passou em sua história por muitos exílios. Foi invadido, banido de sua terra, humilhado muitas vezes. A leitura que ouvimos do Antigo Testamento nos mostra exatamente isso: o povo regressa de mais um exílio, o da Babilônia. Está esgotado. O cenário que encontram é desolador: terras devastadas, casas demolidas, Templo destruído, cultura arrasada. Sem esperança, aflitos e sem rumo, o povo parece abandonado a um futuro incerto. No entanto, Deus vem em seu auxílio e põe à frente de Israel um governador, Neemias e um sacerdote, Esdras, que irão restaurar o que foi perdido, em dignidade e em bens.

  Apesar das escolhas erradas e da vida errada, Deus não se esquece de seus filhos e os espera, sempre e em qualquer lugar. Para mostrar seu amor ao povo, Deus suscita as figuras de Neemias e Esdras para recuperar a terra de Israel e também o próprio Israel em sua fé. O caminho proposto não pode ser outro: o da Palavra de Deus. No processo de reconstrução, será ele o fundamento, o alicerce, a base de tudo. Na vida, não podemos também começar nada, se não for a partir de Deus e com Deus. Numa sociedade que ainda fecha os olhos para o Deus pessoal, nós devemos e precisamos dar testemunho da ação contínua e eficaz do Senhor em nossas vidas.

  Esdras procede à leitura da Lei de Deus. Será ela a guia, a norteadora da restauração. O povo emocionado chora. Chora por seus pecados, chora pelo que perdeu, chora por ouvir novamente a voz de Deus depois de um momento de deserto, de secura, de aridez espiritual. A Palavra do Senhor move novamente os corações para o bem. Quantas vezes deveríamos também nós, nos sentirmos compungidos pela voz de Deus nas Escrituras, mas ainda permanecemos na surdez de um coração duro, árido no mal.

  Na Comunidade de Corinto, agora na realidade cristã, o novo povo de Deus não possui tantos problemas no sentido da identidade, ainda que estivesse sob outro regime estrangeiro.  O problema dos coríntios é a falta de discernimento. Possuem muitos dons, mas não se percebem como um corpo só, que deve estar unido à Cristo. A Palavra de Deus foi assumida, mas não totalmente compreendida. São Paulo garante que todos são importantes, mas que os dons são diversos, não para rivalidade ou inveja, mas para o serviço total na Igreja, por Cristo e em Cristo.

  A tentação da Igreja de Corinto assola muitas vezes a nossa Igreja de hoje: muitos dons, mas nem sempre todos ao serviço de Deus; muitos dons, mas nem sempre o discernimento necessário; muitos dons, mas nem sempre o sentido de um corpo só, onde um membro são eleva os outros e um membro doente, afeta a todos. É preciso ganhar consciência renovada da ação de Deus em nossa vida e seguir, não simplesmente o que queremos ou o que gostamos, o que é pura subjetividade, mas seguir a Lei de Deus, tão objetiva, que iluminou ao Israel do passado e ao Israel de hoje, que somos nós.

  No Santo Evangelho, a partir desta mesma Lei, desta mesma Palavra salvadora, Jesus anuncia solenemente de que n’Ele as Escrituras estão cumpridas. O que Israel esperava de restauração, agora pode ser visto e experimentado em Jesus. Os pobres recebem a Boa Nova, aos cativos abrem-se-lhes as portas , os oprimidos são libertados e o Ano da Graça é proclamado. Jesus atualiza o hoje do homem no hoje de Deus; “hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”, diz o Senhor. Hoje a verdade pode ser encontrada, hoje podemos de fato ter acesso a Deus, hoje podemos nos converter, hoje somos vocacionados, hoje não estamos sozinhos, hoje Deus nos encontrou.

  No entanto, ainda que Deus nos convide a esta experiência de amor, O rejeitamos pelo nosso egoísmo e pela nossa falta de fé. Quando encontramos o caminho que nos leva seguros a Deus, por que não tomá-lo? Não podemos ignorar este convite de darmos tudo o que temos e somos e nos unir Àquele que nos chama! Parece, infelizmente, que muitos ainda preferem os exílios, a distância de Deus; que preferem a falta de discernimento, as brigas e as rixas, as invejas e a vaidade.

  Hoje, nos coloquemos na proposta de Deus! Abandonemos os caminhos do mal, deixemos de lado o fermento ruim que não nos faz crescer e abracemos o dom que Deus nos deu. Possa Maria, nossa Mãe, aquela que trouxe a Palavra em si e que a gerou no amor e na verdade, interceder por nós a cada dia e que o nosso hoje seja um “sim” constante no amanhã. Amém.