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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Estudo sobre a discrição (Parte 2)



1. A discrição nas Colações de João Cassiano
 
 
  Cassiano dedica toda a segunda Conferência à virtude da discrição. Ela é uma graça divina que deve ser procurada e obtida pelo monge, com toda a força de sua vontade, para que evite o tropeço (cf. Colações II, 1).

  Qual lugar ocupa a discrição na vida com Deus? Ela é “dom principal”. Podem-se fazer jejuns e vigílias, retirar-se na solidão, despojar-se dos bens, ser hospitaleiro, mas se faltar a discrição, torna-se difícil a perseverança até o fim; isto é, se não houver em tudo que se faz um “juízo seguro”, poderemos cair no erro ou na presunção (ibidem, II, 2).

  Nos números 3 e 4 da Segunda Conferência são apresentados casos e textos da Escritura que atestam a discrição como coisa imprescindível: com ela, as virtudes se consumam; sem ela, as virtudes não subsistem.

  Para, concretamente, falar da importância e necessidade da discrição, são citados casos concretos de ruína espiritual e humana por falta de discrição; é o que lemos nos números 5 (o suicida Heron), 6 (o morto por inanição), 7 (o monge que tenta o parricídio) e 8 (o monge apóstata).

  Nos números posteriores se fala da aquisição da discrição: 9 (pergunta de Germano acerca da aquisição desta virtude, que é fonte e raiz de todas as outras), 10 (resposta do abade Moisés, apresentando a humildade como forma de obter a discrição). Tal humildade se caracteriza por duas ações bem concretas: pôr-se debaixo dos conselhos dos anciãos e confessar a eles as faltas. Os números 11 (libertação do vício da gula de Serapião), 12 (vergonha da confissão), 13 (o ancião indigno que destratou um jovem monge, acolhido depois pelo abade Apolo), 14 (Samuel que recorre ao ancião Eli) e 15 (Paulo que recorre a Ananias) reforçam o argumento de adquirir a discrição por meio da humildade, que se dá pela acolhida do conselho dos anciãos e da confissão das faltas a estes.

  Os números 16 (o dever da discrição) e 17 (a prática da discrição nos jejuns e nas vigílias) nos apresentam o porquê da discrição: para evitar os excessos; “akrótetes isótetes” (os excessos são iguais). A discrição nos ajudará a ver que não se pode tirar daqui para compensar ali, mas devemos caminhar no equilíbrio.

  Finalmente, pela pergunta de Germano sobre a medida da abstinência e da comida (18), se introduzem questões práticas sobre a quantidade da refeição cotidiana (19); objeção sobre esta quantidade (20); resposta à objeção, apresentando a fidelidade a esta regra como abstinência ou penitência (21); regra geral da abstinência, isto é, “só comer a quantidade conforme as forças do seu corpo e não segundo o desejo de plena satisfação” (22); abstinência como mortificação do corpo (23); caso do monge Benjamim que, por causa da imperfeita discrição no comer, abandonou o mosteiro (24); quebra do jejum por causa da hospitalidade (25) e reafirmação do preceito da abstinência: cotidianamente guardar a medida da porção de comida, porém suspendê-la quando da visita dos hóspedes (26).

  Comentando a discrição, apresentada por Cassiano como “mãe das virtudes” (Colações II, 4), Dom de Vogüé assim se expressa: “Esta qualidade consiste em manter o equilíbrio a igual distância dos dois excessos opostos, o demasiado e o insuficiente. Mas como, naqueles que buscam a Deus, o primeiro desses excessos é mais freqüente do que o segundo, a discretio veio a significar unilateralmente a ausência de austeridades exageradas, de exigências imoderadas, de zelo excessivo”. As expressões “equilíbrio” e “ausência de austeridades exageradas” parecem ser, de fato, um resumo da doutrina da discretio a será neste sentido que São Bento apresentará também, em sua Regra, a mesma virtude.

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